MPF: Política indigenista de Bolsonaro tem ‘violações sem precedentes na ordem institucional’

17/04/2021

Fonte:https://oglobo.globo.com/brasil/mpf-politica-indigenista-de-bolsonaro-tem-violacoes-sem-precedentes-na-ordem-institucional-24976324
Entre as etnias indígenas, povo Xavante tem maior número de mortes Foto: (Reprodução/TV GLOBO)
Entre as etnias indígenas, povo Xavante tem maior número de mortes Foto: (Reprodução/TV GLOBO)

RIO – Retrocessos nos direitos conquistados nas últimas décadas, omissão na demarcação de terras e desestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai) são algumas das queixas que o Ministério Público Federal (MPF) faz no balanço sobre a política indigenista implementada pelo governo Bolsonaro no último ano e que será divulgado nesta segunda-feira, Dia do Índio.

Por meio de Nota Pública, a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão que trata das populações indígenas e comunidades tradicionais aponta ainda entre as falhas do governo a não adoção de políticas públicas em tempos de pandemia, o que somado aos demais problemas “compõe um quadro de violações sem precedentes na atual ordem institucional” .

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O MPF cita como “primeiro ato” que afetou a Funai a publicação de medida provisória de janeiro de 2019 que tentou transferir a subordinação da Funai para o Ministério da Agricultura, revertida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que manteve o órgão sob responsabilidade do Ministério da Justiça.

“Isso não impediu o enfraquecimento da autarquia e de suas atribuições, o que se dá de forma cotidiana e mediante alguns sucessivos atos”, diz o MPF ao citar a edição feita pela Funai da Instrução Normativa nº 09, que faz com que na prática todas as terras indígenas que ainda não estejam no último estágio de demarcação sejam excluídas da base de dados do sistema que controla a gestão fundiária, tornando “invisíveis” esses territórios e validando títulos de propriedades particulares anulados pela Constituição de 1988. O MPF já conseguiu vencer 19 de 26 ações alegando a inconstitucionalidade da instrução.

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A Nota Pública obtida pelo GLOBO destaca ainda o veto do presidente Jair Bolsonaro ao acesso das aldeias à água potável , materiais de higiene, leitos hospitalares e respiradores mecânicos no projeto de lei aprovado pelo Congresso e parte do plano de combate à Covid nas aldeias. Esse mesmo projeto, por outro lado, não vetou o artigo que permite a permanência de missões religiosas nos territórios indígenas com a presença de povos isolados. O STF deve decidir sobre a questão.

O MPF elenca ainda entre as medidas desastrosas tomadas pela Funai a resolução que definia novos critérios específicos para a identificação étnico-racial (heteroidentificação) de indivíduos indígenas; e a Instrução Normativa 01, editada junto com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que na prática “institucionaliza o arrendamento rural nos territórios indígenas”.

Por fim, o MPF frisa ainda que neste mês de abril completa três anos sem que nenhuma terra indígena tenha sido delimitada, demarcada ou homologada no país “aprofundando o déficit demarcatório e agravando o quadro de invasões e explorações ilegais desses territórios”.

Entre os pontos positivos do balanço, o MPF ressalta a derrubada do veto presidencial parcial ao plano de combate à Covid nas aldeias; e a rejeição da medida provisória que propunha anistia para ocupação e desmatamento de “vastas terras públicas, inclusive em territórios indígenas”, ambas decididas pelo Congresso Nacional.

A atuação do STF também é elogiada no documento. A suspensão de todas as reintegrações de posse em áreas indígenas enquanto durar a pandemia, o reconhecimento da legitimidade da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) para propor ações de controle constitucionais, a determinação ao governo federal para adoção de medidas urgentes para conter a disseminação do novo coronavírus nas terras indígenas e a análise da decisão que não reconheceu o direito do povo Guarani Kaiowá à TI Guyraroká no âmbito da discussão sobre o marco temporal, que o MPF classifica de “ficção jurídica”.

“Este tema (marco temporal) merece ser revisitado, ainda mais diante da tentativa constante de fragilizar a proteção às terras indígenas”, finaliza a Nota Pública.

Procurada, a Funai ainda não se manifestou.

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