Justiça Federal determina que a Vale apresente em cinco dias plano de realocação temporária da comunidade Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe, originária de São Joaquim de Bicas (MG)

17/02/2022

Fonte:https://portal.trf1.jus.br/sjmg/comunicacao-social/imprensa/noticias/justica-federal-determina-que-a-vale-apresente-em-cinco-dias-plano-de-realocacao-temporaria-da-comunidade-pataxo-e-pataxo-ha-ha-hae-originaria-de-sao-joaquim-de-bicas-mg.htm

Liminar deferida parcialmente pelo Juízo da 13ª Vara Federal ordena, também, que a Vale pague mensalmente verba de instalação e manutenção das famílias indígenas realocadas

Em decisão proferida no dia 16 de fevereiro, o Juízo da 13ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais deferiu parcialmente o pedido de tutela de urgência requerida pelo MPF (Ministério Público Federal) e DPU (Defensoria Pública da União), em face da Vale S.A, cujo objeto são os direitos do Povo Indígena Pataxó Hã Hã Hãe e Pataxó da Aldeia Naô Xohã – que se encontram sem condições de voltar a viver em sua aldeia, localizada no município mineiro de São Joaquim de Bicas.

Os povos indígenas das etnias Pataxó e Pataxó Hã-Hã-Hãe fundaram a Aldeia Naô Xohã (“Espírito de Guerreiro”) em novembro de 2017, naquele município, situado na margem esquerda do rio Paraopeba. Conforme relatam o MPF e a DPU no pedido, o local foi escolhido pelos indígenas “para que pudessem realizar suas práticas culturais em ambiente adequado, próximo à natureza e ao rio, e ter espaço para receber os parentes que sazonalmente migram do sul da Bahia para Minas Gerais”.

A poluição das águas do Rio Paraopeba com metais pesados foi um dos efeitos imediatos do desastre ocorrido em 25 de janeiro de 2019, quando houve o rompimento das barragens integrantes da Mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho/MG, de responsabilidade da Vale S/A. Na ocasião, os indígenas foram colocados em situação de vulnerabilidade, pois esse ambiente natural, do qual dependiam para subsistência e realização de seus rituais culturais, tornou-se inviabilizado por contaminação pela lama de rejeitos de minérios – conforme relatam, na ação, o MPF e a DPU.

Em 5 de abril de 2019, o Ministério Público Federal, o Povo Indígena Pataxó e Pataxó Há-Há-Hãe da comunidade Naô Xohã e a empresa Vale S.A., com interveniência da Fundação Nacional do Índio – FUNAI celebraram o Termo de Ajuste Preliminar Extrajudicial (TAP-E), no qual foram definidas medidas emergenciais em prol da comunidade indígena, a serem efetivadas pela Vale. O IEDS (Instituto de Estudos do Desenvolvimento Sustentável ) foi a entidade selecionada para realizar o estudo socioeconômico.

Novamente, em 8 de janeiro último, a aldeia Naô Xohã foi gravemente atingida, dessa vez, pelas fortes chuvas que atingiram São Joaquim de Bicas e outras cidades mineiras. Essa ocorrência teria agravado tanto a situação de desterro dos indígenas, que foram obrigados a se refugiar em abrigos disponibilizados por aquele município, quanto o estado de contaminação das águas do Rio Paraopeba por metais pesados.

Em sua decisão, a magistrada Thatiana Cristina Nunes Campelo destacou os relatórios emitidos pela Fundação SOS Mata Atlântica, em janeiro de 2020, e pelo Instituto Mineiro de Gestão das águas,  após o rompimento das barragens integrantes da Mina de Córrego do Feijão, em 25/01/2019, que registram “o derrame de cerca de 13 m³ de rejeito de minério, os quais atingiram o Rio Paraopeba, o que, por sua vez, contaminou às aguas do rio em questão com metais pesados, tornando-a imprópria para o consumo e utilização humana. No ponto, destaco o Boletim informativo do cidadão, da lavra do Instituto Mineiro de Gestão das águas (IGAM) datado de 31/12/2021, relativo a monitoramento realizado no período de 06/12/2021 a 09/12/2021, isto é, cerca de um mês antes das fortes chuvas que assolaram a região (como também outras extensas áreas do Estado de Minas Gerais), juntado aos autos pelos autores, em consonância com as informações contidas nos relatórios emitidos pela SOS Mata Atlântica, evidencia que, em decorrência da presença de metais pesados nas águas do Rio Paraopeba, que ainda se faz presente em níveis superiores ao limite legal, a água não está em condições de uso em razão da grande concentração de metais pesados e nocivos à saúde humana.”

“Diante desse quadro, sobretudo das informações prestadas pelo IGAM, é possível inferir-se que a presença de metais pesados nas águas do Rio Paraopeba ainda se faz presente em níveis superiores ao limite legal, notadamente no período mais recente, em que as chuvas que atingiram a região provocaram o revolvimento do rejeito presente na calha do rio – e, consequentemente, presente na água que atingiu a aldeia”.

A juiza federal considerou que “conquanto não haja elementos imediatos para associar a cheia do rio ao despejo dos rejeitos da Mina Córrego do Feijão, é possível concluir que o contato da água contaminada por metais pesados e outros poluentes no solo da aldeia a torna imprópria para que as famílias indígenas possam retornar a suas casas, o que denota a necessidade da sua realocação para área diversa, já que, caso não tivesse ocorrido o rompimento da barragem no ano de 2019 – e, consequentemente, a contaminação das águas do rio Paraopeba -, após a baixa do rio as famílias poderiam retornar aos seus lares”.

A magistrada deferiu parcialmente o pedido de tutela de urgência, para determinar à VALE S.A. que:

1) apresente no prazo de 05 (cinco) dias plano de realocação temporária da comunidade indígena Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe, da Aldeia Naô Xohâ, respeitados os direitos à consulta livre, prévia e informada e à participação no processo de escolha do local e elaboração do plano (Convenção 169 OIT; art. 3º, III, da Lei estadual nº 23.795/2021); e

2) efetue o pagamento mensal de verba de instalação e manutenção às famílias realocadas, incluindo-se aquelas que se viram forçadas a se deslocar em momento anterior ao alagamento da Aldeia Naô Xohã, no importe de um salário-mínimo por grupo familiar, até que seja deliberado sobre a realocação definitiva da comunidade indígena.

A juíza federal determinou que as partes, inclusive a FUNAI, sejam intimadas para a ciência e cumprimento imediato das medidas de emergência. Ela também ordenou que a parte autora (MPF e DPU) seja intimada para aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final no prazo de 30 (trinta dias), na forma do art. 303, §1º, I, parte final, do CPC, ante a complexidade da matéria objeto da presente demanda.

Será designada uma audiência de conciliação pelo Juízo da 13ª Vara, na forma do art. 334, do CPC.

Leia o inteiro teor da decisão.

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