Djamila: ‘Brasil foi fundado em cima do sangue negro e indígena’

09/11/2020

Djamila Ribeiro participa do programa "Roda Viva", da TV Cultura - Reprodução/TV Cultura

Djamila Ribeiro participa do programa “Roda Viva”, da TV Cultura. Imagem: Reprodução/ TV Cultura

 

Filósofa, escritora e feminista, Djamila Ribeiro afirmou que o Brasil “foi fundado em cima do sangue negro e indígena” ao falar sobre o racismo no país, durante participação no “Roda Viva”, da TV Cultura, na noite de hoje.

“Muitas vezes, no Brasil fica muito no repúdio moral contra o racismo. Então, uma pessoa muito conhecida sofre um ataque racista, as pessoas vão para as redes sociais e falam: ‘nossa, em pleno século 21 o Brasil ainda é racista”, disse ela.

Quando o Brasil não foi racista? Esse país foi fundado em cima do sangue negro e indígena, um país que teve quatros séculos de escravidão, em que a escravidão foi a base da economia do país Djamila Ribeiro.

“Então falta muitas vezes ao brasileiro o entendimento do racismo como uma estrutura, a investigação sobre a origem social das desigualdades e de romper com essa visão que ficou, infelizmente, muito popular no Brasil porque foi feita para uma elite intelectual”, concluiu.

Djamila também pediu licença para prestar solidariedade à população do Amapá. O estado sofre com a falta de energia elétrica desde a semana passada, quando um raio atingiu um dos transformadores.

“Por mais que o conselho nacional já tenha alertado sobre a precarização do que acontece no Brasil, é um povo que vem sofrendo com uma série de questões, ainda mais com a invisibilidade”, afirmou.

A pauta antirracista nas eleições dos EUA

Para Djamila, o ativismo negro foi “fundamental para a eleição de Biden e Harris” [Joe Biden e Kamala Harris, da chapa democrata à presidência dos EUA]

A organização de muitas mulheres negras para cadastrar eleitores negros é inegável no próprio mapa. O quanto pessoas negras votaram mais nessa chapa democrata. Não que a gente acredite que isso vai ser a grande solução, ficou todo um debate nas redes de dizer que isso não ia mudar a realidade, mas a gente percebe que tem um valor simbólico da Kamala ser uma mulher afro-americana, a primeira vice, mas também não é necessariamente um lugar para o Biden, mas sim contra o Trump Djamila Ribeiro.

A filósofa afirmou ser necessário entender que o voto não foi uma questão de identidade do movimento negro com as ideias de Biden, mas sim um voto contrário ao que Donald Trump representa.

Era importante tirar o Trump, um presidente fascista, um presidente que defendia a supremacia branca. E não que há uma identidade nessa mobilização negra em relação à vitória dos democratas. Mostra como a organização desses movimentos foi fundamental na eleição dos EUA Djamila Ribeiro.

Ela também observou que a eleição norte-americana terá suas implicações no Brasil: “A própria eleição do Bolsonaro, quando se analisa o mapa [dos votos], a maior parte dos eleitores do Bolsonaro é de homens brancos de classe alta”.

Djamila descarta candidatura e cobra maior participação negra na política

Questionada se pretende se candidatar a algum cargo eletivo, Djamila Ribeiro negou que isso seja parte dos seus planos por ora.

Isso não quer dizer que fecho as portas para isso, não quer dizer que daqui uns anos não me interesse, mas nesse momento, não. Estou focada em apoiar outras mulheres, outras pessoas. Quem sabe um dia Djamila Ribeiro.

Ela observou que a população negra ainda é majoritariamente apontada como de “uso político” e não, de fato, como sujeito político. “Acho que o projeto político precisa ter esse entendimento de pensar essas questões como estruturais e ser de fato um projeto de sociedade — e não de poder, como muitas vezes a gente vem vendo no Brasil”.

A gente enxerga pessoas negras como beneficiárias de políticas públicas, não como quem vai pensar as políticas públicas Djamila Ribeiro.

‘Mulher negra é forte porque o estado é omisso’

Durante a entrevista, ela declarou que existe uma construção social de que a mulher negra deve ser “guerreira e forte”, mas que isso só ocorre por omissão do poder público.

A gente tem que ser forte porque o estado é omisso. Naturalizar uma pretensa força da mulher negra é negar as violências sistêmicas às quais elas são vítimas historicamente. Esse lugar de mulher negra forte faz com que mulheres negras tomem menos anestesia, sejam menos tocadas no pré natal. Djamila Ribeiro

Para ela, a cobrança em cima de pessoas negras é muito maior quando se tratam de críticas sociais ou econômicas. Como exemplo, ela citou o fato do proveito tirado por marcas em cima de pautas sociais e afirmou que influenciadoras negras são mais criticadas por patrocínios do que mulheres brancas.

Quando as blogueiras brancas com milhões de seguidores fazem uma série de publiposts, isso não é assunto. Quando é uma blogueira negra, vira um assunto estrondoso Djamila Ribeiro.

Citando a própria trajetória, Djamila afirmou que, mesmo vindo de família militante, teve de trabalhar vendendo pastel apesar de ter melhores qualificações que mulheres brancas que trabalhavam na mesma empresa que ela. A primeira oportunidade na minha vida, que respeitou minha trajetória, quem me deu foram mulheres negras, que foi na Casa de Cultura da Mulher Negra de Santos. Porque até então, mesmo eu falando inglês, mesmo eu tendo capacidade intelectual, era o lugar de limpeza que as pessoas me davam Djamila Ribeiro.

Print Friendly, PDF & Email