A Indigenistas Associados – INA, associação de servidores da Fundação Nacional do Índio – Funai, vem manifestar sua preocupação com a paralisia das ações da política indigenista, principalmente das atividades realizadas dentro de Terras Indígenas, em especial aquelas em processo de regularização ou em municípios fora das sedes regionais e locais do órgão. A recente centralização dos procedimentos para autorização de deslocamento de servidores provocou prejuízos a um grande número de atividades da Funai, que tiveram que ser adiadas ou até canceladas, afetando de forma direta os povos indígenas.
Em outubro, o Ministério da Justiça e Segurança Pública – MJSP, publicou duas portarias que alteraram os fluxos internos na instituição. A portaria nº 764/MJSP delegou competência ao Secretário-Executivo do MJSP para autorizar a concessão de diárias e passagens aos servidores da Funai, enquanto a portaria 1.619/SE/MJSP subdelegou parte da competência citada no documento anterior exclusivamente ao Presidente da Funai, impedindo que esta competência fosse novamente subdelegada às unidades descentralizadas e diretorias, alterando-se o protocolo seguido até então no órgão. Um documento interno da Funai regulamentou o novo fluxo para aprovação de viagens, que passou a envolver mais etapas, unidades e setores. Essas mudanças provocaram maior burocratização, morosidade e intensa centralização das autorizações de deslocamento dos servidores da Funai para outros municípios e Terras Indígenas, especialmente de suas unidades regionais.
Antes da mudança, os 3 diretores do órgão e os Coordenadores Regionais das 39 unidades descentralizadas da Funai eram ordenadores de despesa e, portanto, autorizavam os deslocamentos de servidores no âmbito das suas unidades. Somente atividades com duração superior a dez dias contínuos ou para servidores com mais de quarenta diárias intercaladas no ano deveriam ser autorizadas pela presidência da Funai. Com o novo fluxo, estes casos passaram a ser apreciados pelo MJSP, enquanto as demais viagens necessitam de autorização do Presidente da Funai, além de um parecer técnico das Coordenações Gerais em Brasília. Avalia-se que a retirada de competência das unidades descentralizadas para autorizar os deslocamentos de seus servidores não reconhece a capacidade de planejamento específico de cada unidade regional, consolidado por meio de Planos Anuais de Trabalho aprovados previamente pela instituição.
As unidades descentralizadas da Funai são as Coordenações Regionais, Coordenações Técnicas Locais, Frentes de Proteção Etnoambiental e Museu do Índio. Porém, a maior parte das unidades, mesmo aquelas que fazem atendimento direto aos indígenas, está localizada fora das Terras Indígenas, sendo necessária a autorização do deslocamento até esses locais para praticamente todas as ações. A centralização e aumento de etapas para as autorizações têm dificultado a realização de atividades em campo. Logo após a publicação da portaria, a execução das atividades pelas unidades regionais da Funai foi seriamente comprometida, provocando o desatendimento dos indígenas. Prejuízos concretos se acumularam desde então. Houve cancelamento da participação de servidores da Funai em assembleias indígenas, em oficinas e conferência de gestão ambiental e sobre incêndio florestal. A medida resultou ainda em interrupção da distribuição de sementes em certas localidades e desassistência no acesso dos indígenas aos benefícios previdenciários e às ações de segurança alimentar, atividades desenvolvidas prioritariamente pelas Coordenações Técnicas Locais do órgão, que atuam mais próximo às comunidades indígenas. A interrupção das ações de proteção territorial provocada pelo novo fluxo aumenta a insegurança sobre os territórios e o incremento da pressão dos invasores, inclusive em territórios com povos isolados e de recente contato. Por sua vez, em relação aos princípios da administração pública e às atribuições da Funai, não foram até o momento percebidos indícios ou comprovação fática de que o novo fluxo estabelecido possa trazer mais economicidade, racionalidade, efetividade ou planejamento para a execução da política indigenista e para a utilização do recurso público.
Ainda sob o impacto da retirada de atribuições das Coordenações Regionais e Diretorias da Funai, a INA manifesta forte preocupação acerca das notícias veiculadas(1) na última semana de novembro, de que a presidência da Funai não autorizou deslocamentos de servidores de unidades descentralizadas, sob a justificativa de que os destinos se tratavam de terras indígenas não homologadas. Não há na legislação brasileira qualquer discriminação aos povos indígenas em função do status administrativo das terras que ocupam. Cabe à Funai proteger e promover os direitos dos povos indígenas e respeitar todos os cidadãos indígenas, suas comunidades e organizações em qualquer contexto, seja residente de terra indígena regularizada, de área urbana ou de área reivindicada. O processo administrativo de regularização fundiária é tão somente o reconhecimento do direito originário. A Funai declarou em nota à imprensa(2) que a negativa de autorizações de deslocamento para terras indígenas não regularizadas ou homologadas “ocorre em virtude das restrições orçamentárias desta Fundação” e que “está sendo realizado um estudo jurídico acerca da legalidade do acesso e assistência a indígenas em área de objeto de conflito fundiário, invadidas e que não foram constituídas formalmente como terras indígenas”. É extremamente lamentável que a Funai denomine terras tradicionalmente ocupadas como “terras invadidas”, invertendo-se a lógica da proteção territorial, agora em desfavor aos povos indígenas.
A Política Indigenista tem como pilar a atuação em campo, junto aos povos indígenas, independente da situação legal de seus territórios. É, portanto, necessário que o Ministério da Justiça e Segurança Pública altere a Portaria 1.619/SE/MJSP, permitindo a subdelegação das autorizações de viagens às unidades regionais e diretorias da Funai e que garanta o cumprimento da legislação vigente pelo órgão indigenista quanto ao atendimento dos povos indígenas. Caso contrário, corre-se um sério risco de paralisia total das ações e o não cumprimento das obrigações do Estado para promoção dos direitos indígenas.
INDIGENISTAS ASSOCIADOS
02 de dezembro de 201