Armazém do Campo: 5 anos da maior rede de produtos da Reforma Agrária Popular do Brasil

10/08/2021

A rede consolida a marca dos sabores e conquistas da luta do MST e da alimentação saudável, com produtos orgânicos e preço justo

 

A rede de Armazéns do Campo vem se consolidando como a maior rede de produtos da Reforma Agrária do Brasil. Foto: MST em SP

Por Lays Furtado
Da Página do MST

Entre os meses de julho e agosto deste ano, o MST celebra o aniversário de cinco anos da rede de Armazéns do Campo, que abriu suas portas por meio da loja pioneira localizada em São Paulo, na capital paulista. E hoje reúne 34 pontos de comercialização espalhados por 13 estados brasileiros, com atendimentos via loja física, delivery e por encomendas dos produtos da Reforma Agrária Popular.

Ao longo desses primeiros anos, a rede de Armazéns do Campo vem se consolidando como a maior rede de produtos da Reforma Agrária do Brasil. Tornando-se referência para quem busca comida de verdade e produtos orgânicos a preço justo, tanto em São Paulo, quanto em outros estados do país. Além de tornar-se ponto de encontro entre campo e cidade, onde se alimenta a ideia de que comer também é um ato político e cultural.

No site, lançado neste mês comemorativo, é possível encomendar cestas agroecológicas, e encontrar o ponto de vendas mais próxima para quem quer apoiar a luta do MST, consumir alimentos saudáveis, livres de exploração e veneno. A expectativa é que nos próximos dois e três anos mais 30 Armazéns do Campo abram as portas em diversas cidades do país, no interior e nas capitais.

Os espaços da rede de Armazéns do Campo tem se tornado referência para quem busca comida de verdade e produtos orgânicos a preço justo. Foto MST no RJ

Seguindo a programação deste mês especial para rede de Armazéns do Campo, na próxima sexta-feira (13), às 19h, haverá uma live especial de aniversário nas redes com artistas, apoiadores(as) e amigos(as) do MST. Além disso, serão divulgados nas redes e site do MST, matérias especiais sobre os produtos agroecológicos e orgânicos que se destacam nas lojas dos Armazéns, produzidos em associações, cooperativas e agroindústrias da agricultura familiar camponesa.

Rede de Armazéns do Campo é fruto da Feira Nacional da Reforma Agrária

Ademar Ludwig, 44 anos, atualmente é um dos coordenadores dos Armazéns do Campo. Ele também é graduado em História pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB ) e especialista em Agroecologia pela Universidade de São Paulo/Escola Nacional Florestan Fernandes (USP/ENFF), e comenta sobre a ideia do Armazém, como um espaço que vai muito além de uma loja. “Acho que é importante ressaltar que o Armazém do Campo é fruto das primeiras grandes Feiras Nacionais da Reforma Agrária, principalmente a que aconteceu no Parque da Água Branca, em 2015”, relembra Ademar nos cinco anos de fundação da rede.

“Como foi um sucesso a feira, que veio produtos do país todo, muitos camaradas aqui da cidade que queriam acesso a esse fruto da luta, perguntavam: Bom, vocês vão embora e como é que nós vamos comprar isso depois?”, cita o coordenador da rede de Armazéns, contando como germinou a trajetória, que teve como espaço pioneiro, a sede em São Paulo, onde a identidade do Armazém foi deixando sua marca. E hoje se expande para capitais e interiores, em dezenas de cidades pelo Brasil, com os frutos da Reforma Agrária Popular e agricultura familiar camponesa.

Agora, estão sendo planejados os eixos que fazem parte de um modelo de imagem e outros manuais para ir virando referência para os próximos Armazéns que irão abrir. “Além disso, o curso que a gente tem feito desde o ano passado, é um curso online que está para concluir com uma turma que começou em março, com mais de 30 pessoas que vão tocar as novas lojas”, comenta Ademar. Além da loja física em São Paulo, há unidades que seguem o mesmo modelo nas capitais do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambuco, Maranhão, e em outras unidades diversas de comercialização, sob encomendas e feiras dos produtos do MST.

Além da loja física em São Paulo, há unidades que seguem o mesmo modelo nas capitais do RS, MG, RJ, PE, MA e em outros locais, como feiras de produtos do MST. Foto: Pablo Vergara/MST RJ

“É possível num prazo entre 15 e 20 anos abrir mil lojas no país”, conta o coordenador da rede Ademar Ludwig, citando que com a iniciativa de um modelo dos Armazéns do Campo, também foi criado junto dele um modelo de intencionalidades em rede e de massificação. “Porque como o MST é um movimento de massa, então todas as nossas atividades também têm que ser massivas, inclusive as lojas”, além de ser uma solução logística, explica o coordenador.

Para Ademar o diferencial da rede, para além da importância de comercializar produtos saudáveis, é que tem todo um histórico de luta envolvido. Por essas e outras, a rede de Armazéns tem se tornado um espaço onde a comercialização dos alimentos busca ser equalizada a preços justos tanto para quem consome quanto para quem produz, em benefício à classe trabalhadora do campo e cidade.

“A gente quer um espaço onde a pessoa se sinta entre os seus, entre os iguais e se sinta acolhido”, conta Ademar. Dessa forma, os Armazéns seja lá onde estiverem, se constituem, sobretudo, com um espaço da Reforma Agrária Popular, dos parceiros da agricultura familiar camponesa, indígena, quilombolas, ribeirinhos, da mulher camponesa, do trabalhador rural. “Além de ser o espaço onde sempre será priorizado o produto e fomento à produção agroecológica”, complementa o coordenador.

Uma rede de sabores, afetos, e solidariedade

Gênova De Carli, 63 anos, é aposentada e realiza compras semanais no Armazém do Campo desde a época de sua abertura, em 2019. “É um espaço maravilhoso, de valorização cultural e principalmente um referencial de luta e de resistência. Diferente de outros mercados, você encontra produtos bem variados e sem veneno, produtos agroecológicos ou orgânicos, vindos da reforma agrária. E isso dá um apoio ao trabalho da reforma agrária, de pequenos agricultores da agricultura familiar”, conta uma das clientes mais fieis do Armazém do Campo no Recife.

Além de cultivar comida de verdade, durante a pandemia o MST tornou a solidariedade uma das marcas dos Armazéns, e em solo fértil estabelecendo laços junto à classe trabalhadora da cidade, nos afetos das lutas e principalmente no combate à fome. Até o momento o MST já doou mais de 1 milhão de marmitas e 5 mil toneladas de alimentos, por meio de campanhas de solidariedade em todo país.

“O Armazém fez um trabalho lindo, com a doação e distribuição de alimentos para população de rua e várias famílias dos bairros de Recife. Por tudo isso, que eu quero estar junto, faço questão de fazer minhas compras semanalmente no Armazém do Campo e recomendo para todos que querem consumir produtos saudáveis e apoiar esse trabalho maravilhoso do MST e dos Armazéns. Parabéns MST e aos Armazéns do Campo, muito sucesso hoje e sempre!”, celebra Gênova, que mais do que uma consumidora da rede, é também amiga do MST.

Doações de solidariedade no Armazém do Campo Recife pelo MST no PE. Foto: Olívia Godoy

Também foi durante a pandemia que o jornalista Raphael Veleda, de 36 anos, morador de Brasília, Distrito Federal, passou a espreitar os vínculos com os produtos da Reforma Agrária Popular, ao passar mais tempo em casa e cozinhar mais. Neste  período, a feira se tornou um ambiente de referência para as compras de sua família. “A  feira surgiu como uma opção melhor, tanto nos produtos quanto no ambiente” – conta Raphael, citando que frequenta e consome produtos da Feira da Ponte Norte, aos sábados, onde a maioria dos(as) expositores(as) são da agricultura familiar e ligadas ao MST. “Os produtos são muito mais saborosos do que os do mercado e podemos comprar sem entrar num lugar fechado. Mudamos a compra de alimentos quase toda pra lá”

Comer é um ato cultural e político

Julia Iara, 28 anos, é militante do MST e compõe a equipe de Formação e Cultura do Solar Cultural da Terra Maria Firmina dos Reis, onde fica o Armazém do Campo do Maranhão há dois anos. A jovem conta que o espaço do Solar foi criado projetando impulsionar na cidade os eixos do programa cultural, vinculado à luta da Reforma Agrária Popular. Em que fosse possível encontrar comida de verdade, mas também reunir formação, debate de ideias, promoção da agroecologia e discussão coletiva de soberania alimentar e alimentação saudável. Além do direito ao fazer artístico, com acesso à arte, entre outras manifestações políticas no envolvimento, nas lutas coletivas do campo e da cidade.

“Fomos recebidos por um conjunto intenso de forças, perspectivas e possibilidades organizadas pelos diversos movimentos, organizações, partidos e coletivos que encamparam conosco esse projeto. Então temos desde o engajamento de artistas populares, educadores e educadoras, lideranças políticas da esquerda, às pessoas que acreditam na proposta do Armazém do Campo e fortalecem nossa rede apostando na agricultura familiar e camponesa”, conta Julia.

Atividade com “casa cheia” no Armazém do Campo SP. Foto: Rica Retamal/Brasil de Fato

Desde que foram abertas as portas na capital São Luís, o espaço do Armazém do Campo faz parte de uma construção coletiva de ocupação, que já é referência de cultura na cidade, por ter se tornado um espaço de encontro, de arte, de festejo, mas também de práticas formativas e humanizadoras importantes – como têm sido o engajamento do espaço com as ações de solidariedade construídas com as diversas forças da cidade -, e as ações de denúncia organizadas nesses tempos difíceis de enfrentamento ao governo genocida de Bolsonaro.

“Aqui a gente recebe cursos, debates, seminários, reuniões, festivais, feiras, oficinas, apresentações artísticas em diversas linguagens e se abrem as portas para atuação em rede com outras frentes. Como é o caso da articulação com espaços alternativos da cidade, hoje o Solar é um projeto que se expande para além do seu espaço físico, ele já ecoa coletivamente junto a outros projetos culturais importantes de São Luís, como a Cozinha Ancestral. Então, aqui o solo é fértil para muitas sementes, para a diversidade, para o encontro de perspectivas emancipatórias e combativas”, cita Julia Iara.

Agricultura Familiar Camponesa e os frutos da Reforma Agrária Popular

Daniel Audibert, 54 anos, mora no município de Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul, com a família já há 28 anos. E há mais de 15 anos sua produção da agricultura familiar camponesa é destinada para a loja da Reforma Agrária, que posteriormente se tornou o Armazém do Campo, em Porto Alegre, na capital gaúcha, inaugurado há 2 meses. Além de vender ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), abastecendo as escolas locais, entre outros pontos de comercialização; o agricultor assentado da Reforma Agrária Popular, estima que cerca de 25% da produção agropecuária de sua família é destinada ao Armazém do Campo, por serviços de entregas e na feirinha do produtor, que acontece semanalmente dentro do próprio Armazém.

O agricultor conta que a parceria, enquanto MST e com o Armazém do Campo, vai de encontro à ideia que surgiu como princípio logo que conquistaram a terra, com a prática de produzir alimentos saudáveis e de qualidade, inclusive alimentos orgânicos. “E mais do que nunca, o Armazém do Campo tem esse objetivo, de levar produto de qualidade e produto sem agrotóxico para a mesa do consumidor. Então, essa parceria vem mais do que nunca afirmar o nosso objetivo, na produção orgânica e na comercialização”, cita Daniel.

Alimentos produzidos e doados pelas famílias do MST, durante a pandemia. Foto: MST

Daniel entrega junto com sua família semanalmente duas remessas de pedidos para o Armazém, a partir das encomendas de uma variedade de produtos hortifrutigranjeiros, desde alface, rúcula, couve, brócolis, cenoura, beterraba, repolho, couve-flor, entre outros. E conta que o trabalho familiar também é uma forma de educar as filhas a darem valor àquilo que conquistaram. A filha mais velha de 22 anos já acompanha o pai nas feiras. O sonho compartilhado para o futuro é que as duas filhas possam fazer a sucessão da propriedade familiar, dedicada à produção orgânica.

“Então toda a parte de logística, de plantio, colheita e comercialização é feita pela nossa família. Tudo é discutido junto com a família, as decisões, os investimentos, os plantios e as comercializações. Na verdade, é discutido na família e aprovado na família, e o compromisso também é da família. Isso é interessante, porque a gente vê tantos jovens, por exemplo, saindo do interior e indo para a cidade. E a gente não quer isso, a gente quer que a juventude dê continuidade ao nosso processo de produção”, – conta Daniel.

Cooperativismo e agroecologia

Luana Oliveira, tem 22 anos e é militante do MST, assentada no assentamento Denis Gonçalves, município de Goianá, na Zona da Mata mineira, cooperada na Cooperativa de Produção Agroecológica e Cultura Camponesa (CPA). Ela conta que ao todo, dez famílias trabalham cooperadas no território, entre elas cinco moram no local. No núcleo produtivo do assentamento as principais linhas produtivas são: leite, criação de animais, agroindústria e o Sistema Agroflorestal (Safe). E com essa produção destinada a redes de Armazéns do Campo, possibilitou que os produtos do assentamento onde ela vive, atingisse um maior número de pessoas, interessadas em comer bem, a partir do acesso ao produto agroecológico, sem veneno.

Por meio do modo de trabalho na agroindústria, Luana é uma das jovens que trabalha com o princípio de processar o beneficiamento de todos os produtos das principais linhas produtivas do assentamento, pelos animais e pelo Safe. “Só aqui no assentamento são vários os grupos produtivos que temos, e a principal dificuldade que a gente encontra, além de incentivo para produção é mesmo a comercialização. E os Armazéns do Campo, assim como outras redes que a gente organiza no Estado, possibilita esse caminho, que o produto que a gente produz chegue sem um atravessador e de uma forma mais cooperada e valorizada até o consumidor final. Isso pra mim é o principal efeito positivo que o Armazém nos possibilita”, salienta Luana.

Mutirão de horta agroecológica do MST no PR. Foto: Davi Lazzarin

Entre os principais benefícios citados por Luana a partir da rede de Armazéns, é o  diálogo direto do produtor com o consumidor, sem atravessadores, que promove também o desenvolvimento local. “A rede Armazém do Campo possibilitou o desenvolvimento das famílias dentro do território. E possibilitou esse contato mais direto com o nosso consumidor, que é um grande avanço também no processo de conscientização das famílias que estão organizadas para produzir. E aqui a gente é cooperado não só no trabalho, mas no trabalho na terra e nos meios de produção”, comenta Luana.

Uma das variedades de produtos que ganharam impulso na comercialização local, desde a comercialização via os Armazéns, se destaca o antepasto, que já ganhou mercado em Minas. “É muito bom poder dizer que nosso rótulo está escrito que é um produto da Reforma Agrária, fruto da luta pela terra, um produto sem veneno. E a gente consegue fazer isso porque é uma rede popular, é uma rede da Reforma Agrária que está comercializando. A gente sabe que isso [essa realidade] não é real em todos os lugares”, finaliza a jovem produtora assentada.

*Editado por Solange Engelmann

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