Reabertura do processo na Justiça do Reino Unido permite que os cerca de 200 mil atingidos possam apelar

Devastação deixada pelo rompimento de Mariana, em 2015, ainda não indenizou atingidos no Brasil. (foto: Gladyston Rodrigues/EMD.A.Press)

Em uma reviravolta rara nas cortes do Reino Unido, advogados dos atingidos pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, conseguiram reabrir, nesta terça-feira (27/07), o pocesso de 5 bilhões de libras (R$ 35 bilhões) contra a BHP Billiton na Corte Real de Justiça (Royal Courts of Justice), em Londres.

Em batalha judicial desde 2018 no Reino Unido, o escritório PGMBM representa 25 municípios, igrejas, 530 empresas e mais de 200 mil atingidos, a maioria ainda não indenizada no Brasil, mesmo 6 anos depois. Acionam a mineradora BHP Billiton em sua sede na Inglaterra, devido às indecisões no Brasil e uma vez que a companhia é controladora da Samarco, ao lado da Vale. A Samaco operava a barragem que se rompeu, em 2015.

indenização aos atingidos pela devastação e morte provocados com o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, foi negada em primeira instância, em julgamento em 2020 (veja abaixo a linha do tempo), sendo o recurso indeferido em 2021, o que ensejou um recurso raríssimo para evitar “grande injustiça”, que desta vez foi aceito, permitindo a reabertura do recurso do processo.

O rompimento da barragem matou 19 pessoas e devastou a Bacia Hidrográfica do Rio Doce, entre Minas Gerais e Espírito Santo. Caso aceita a jurisdição para se prcessar a BHP no Reino Unido esse será o maior processo oletivo da história das cortes britânicas.

O escriório PGMBM afirma que, mediante recurso, podem estabelecer jurisdição na Inglaterra contra a BHP Group Plc, uma empresa domiciliada na Inglaterra, e o BHP Group Limited, uma empresa domiciliada na Austrália.

Um dos argumentos dos atingidos é que a reparação obtida no Brasil foi inadequada, com a BHP amplamente protegida das consequências legais até o momento, e que eles têm o direito de prosseguir com o caso contra na Inglaterra, onde a BHP está domiciliada.

Tom Goodhead, advogado e sócio do PGMBM disse que “este é um julgamento monumental e nossos clientes sentem que esta é a primeira vez que um juiz reconhece a importância deste caso”.

“Depois que o caso foi encerrado em março, ficou no ar a sensação de que aquele era o fim do caminho para as vítimas. Portanto, é incrivelmente recompensador para minha equipe poder dizer a eles que ainda acreditamos que eles verão uma reparação satisfatória nos tribunais ingleses”, afirma Goodhead.

Palácio das Royal Courts of Justice em Londres, onde o recurso foi apreciado(foto: NENGallery)

 

Foram utilizados precedentes internacionais que tinham sido ignorados, mas que desta vez acabaram aceitos. Foram três magistrados a poferir a atual decisão. Lord Justice Geoffrey Vos (o Master of the Rolls, Chefe da Divisão Civil do Tribunal de Recurso), Lord Justice Nicholas Underhill (Vice-presidente do Tribunal de Recurso) e Lady Sue Justice Carr determinaram que o caso deveria ser reaberto e que deveria ser ouvido no Tribunal de Apelação.

 

“Embora compreendamos totalmente as considerações que levaram o juiz a sua conclusão de que a ação deve ser rejeitada, acreditamos que a apelação tem uma perspectiva real de sucesso”, diz a decisão.

Um relatório especial da ONU de 2020 alegou que os responsáveis pelo desastre não conseguiram apoiar ou indenizar efetivamente as vítimas.

A BHP infrmou estar ciente da decisão da Corte de Apelação inglesa de reabrir o processo contra a empresa no Reino Unido e permitir que os Autores recorram do julgamento da Corte Superior de Manchester. “A decisão de hoje não reverte o julgamento de extinção, mas permite que o recurso dos Autores contra o referido julgamento seja apreciado pela Corte de Apelação”.

A mineradora reiterou a sua posição de que o processo não deve continuar no Reino Unido, uma vez que as questões levantadas pelos Autores estão cobertas pelo trabalho em andamento da Fundação Renova, por decisões judiciais dos Tribunais brasileiros ou que são objeto de processos judiciais em andamento no Brasil.

Segundo a BHP, até o fim de maio de 2021, a Renova gastou mais de R$ 13 bilhões nos 42 projetos de reparação e compensação ambientais e socioeconômicos que administra. Desde o início do Sistema Indenizatório Simplificado em agosto do ano passado, mais de 20.000 pessoas de categorias informais com dificuldade para comprovar seus danos receberam pagamentos totalizando mais de R$ 2 bilhões. No total, mais de 325.000 pessoas receberam mais de R$ 4 bilhões em indenizações e ajuda financeira.

Batalha jurídica em Londres

Há pouco mais de um mês (22/06) a reportagem do Estado de Minas acompanhou e publicou com exclusividade mais um embate em Londres entre gigantes do direito internacional em torno do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana.

Processo internacional começou em 2018 e o primeiro julgamento foi em 2020, em Manchester (foto: Mateus Parreiras/EM/D.A.Press)
Processo internacional começou em 2018 e o primeiro julgamento foi em 2020, em Manchester(foto: Mateus Parreiras/EM/D.A.Press)

Os advogados do escritório anglo-americano-brasileiro PGMBM, que representa os atingidos, e o corpo legal da multinacional BHP Billiton debateram a admisibilidade de um processo nas cortes do Reino Unido.

Três magistrados conduziram a audiência, sendo eles o chamado Master of the Roles, o Lord Justice Underhill, vice-presidente da corte, e a Civil Division Lady Justice Carr. O tribunal ficou vazio devido às medidas resritivas de reunião em público trazidas pela pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2).

Logo no início, os magistrados deixaram claro que não se ateriam aos méritos da causa, mas às razões técnicas para possibilitar ou não uma apelação. Os advogados dos atingidos defenderam que o juiz errou ao não permitir o último recurso. Já os representantes da BHP asseguraram que a decisão foi correta.

O primeiro a falar foi o representante dos advogados dos atingidos. Os principais argumentos sustentaram que o juiz de apelação não considerou os termos trazidos sobre jurisdição (poder processar a BHP no Reino Unido) e abuso (trazer custos extremos para as cortes ou duplicar ações já em curso no Brasil).

“Se a maioria dos requerentes estivesse processando a BHP – ou o grupo do qual faz parte – no Brasil, poderia até se ter a impressão de duplicação. Mas 75% dos requerentes não acionaram nenhum deles no Brasil”, declararam os advogados da PGMBM. Os defensores dos atingidos ainda pontuaram que mesmo elegíveis para um dia receber recursos da ação civil pública de R$ 155 bilhões movida pelo Ministério Público Federal, essa possibilidade não invalidaria o direito de processar quem os prejudicou onde decidirem. Principalmente pela ação estar parada desde janeiro de 2017.

Quanto aos argumentos sobre a jurisdição, os advogados dos atingidos salientaram que o juiz de apelação deveria ter trazido argumentos que mostrassem um a um os motivos de rejeitar o recurso e não trazer uma única e genérica decisão. “A lei permite julgar na Inglaterra se um julgamento vindo de outro país não ocorrer em tempo razoável”, foi uma das razões apresentadas.

Em seguida, os defensores da BHP Billiton reforçaram seus principais argumentos, dizendo que seria um abuso duplicar ações já existentes no Brasil, onde consideram que o processo de reparação promovido pela Fundação Renova está caminhando satisfatoriamente.

Processo internacional começou em 2018 e o primeiro julgamento foi em 2020, em Manchester (foto: Mateus Parreiras/EM/D.A.Press)
Processo internacional começou em 2018 e o primeiro julgamento foi em 2020, em Manchester(foto: Mateus Parreiras/EM/D.A.Press)

“Milhares de requerentes conseguiram justiça no Brasil para suas reparações. Nada menos do que 154 mil pessoas já receberam algum recurso da Fundação Renova ou abriu seus próprios procedimentos legais para indenização. Já está em andamento um veículo que traz a compensação (Renova). A 12ª Vara da Justiça Federal (Belo Horizonte) tem consedido reparação (pelo Processo de Indenização Simplificado)”, afirmaram os defensores da multinacional.

Também afirmaram que a ação no Reino Unido seria abusiva, pois traria custos excessivos e não benefícios para os atingidos. “Não é economicamente viável para o tribunal. Seria um desperdício de tempo e recursos. É impossível lidar com dois casos em duas jurisdições ao mesmo tempo, com uma jurisdição podendo interferir na outra. Seria, como o juiz (de apelação) considerou, sem sentido”, destacaram os advogados da BHP.

Ao final, o trio de juízes considerou que os argumentos dos dois lados foram suficientes para se chegar ao “fundo da questão”, mas afirmam que precisarão de tempo para deliberar e depois trazer uma decisão a ser apresentada na presença dos advogados.

Na primeira instância, o juiz da Corte de Justiça Civil de Manchester considerou que seria um abuso de jurisdição julgar a BHP ao mesmo tempo que processos ocorrem no Brasil. Já os advogados da PGMBM afirmam que não há justiça suficiente sendo feita no Brasil onde as pesoas aguardam há 6 anos por ressarcimento e reparação.

O primeiro entendimento da Corte de Apelação manteve a decisão de primeira instância. Mas uma contingência do código civil para que grandes injustiças não sejam cometidas foi concedida aos atingidos e por isso a apelação foi novamente discutida.

Justiça no exterior

O desenrolar judicial dos atingidos no Reino Unido
5 de novembro de 2015
» Barragem do Fundão, operada pela mineradora Samarco, em Mariana, se rompe, liberando 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro. Um contingente estimado em 700 mil pessoas é impactado na Bacia do Rio Doce. Dezenove morreram depois do rompimento, sendo que uma das vítimas não teve seu corpo recuperado até o momento
21 de setembro de 2018
» Sob risco de as ações de indenização prescreverem após três anos do desastre, o escritório inglês SPG Law, atualmente PGMBM, anunciou que ingressaria com ação em cortes do Reino Unido contra a BHP Billiton SPL, controladora da Samarco ao lado da Vale. Na época era estimado em 5 bilhões de libras
3 de outubro de 2018
» Acordo firmado entre o Ministério Público, a Samarco e suas controladoras (além da BHP, a Vale) previu a interrupção do prazo legal de prescrição
2 de Novembro de 2018
» O escritório PGMBM protocola na Justiça do Reino Unido os pedidos de indenização contra a BHP Billiton SPL representando mais de 200 mil atingidos pelo rompimento da barragem. Inicialmente o processo transcorreria na corte de Liverpool
16 de novembro de 2018
» Fundação Renova pressiona prefeituras e atingidos a desistir da ação internacional como condição para receber compensações acordadas. Advogados do escritório internacional reagem
18 de dezembro de 2018
» Justiça determina que Fundação Renova pague o valor indenizatório por gastos extras com os prejuízos do rompimento à Governador Valadares e em seguida uma série de outras decisões mantêm municípios na ação internacional
2 de abril de 2019
» BHP requer a transferência da ação de Liverpool para Londres. Depois de 15 dias, o juiz decide manter em Liverpool por ter sido escolhido como foro pelos advogados dos atingidos e por terem um escritório lá
13 de março de 2020
» A PGMBM apresenta à BHP um amplo conjunto de documentos sustentando que é legítima a intenção dos clientes de moverem uma ação perante a Justiça do Reino Unido. Há pareceres de juristas, depoimentos de vítimas e advogados brasileiros que atuaram no Brasil em favor dos atingidos e populações afetadas pelo rompimento da barragem de Fundão
30 de Abril de 2020
» Confirmação da data do julgamento.
O julgamento do processo contra a BHP Billiton tinha a previsão inicial de acontecer em junho deste ano, houve um pequeno adiamento por conta da pandemia de COVID-19 que está afetando o mundo todo. A nova data será no dia 20 de julho de 2020
22 a 31 de julho de 2020
» Advogados dos atingidos e da BHP Billiton levam o caso internacional ao Centro de Justiça Cível em Manchester, onde o juiz sir mark Turner julga se as indenizações poderão ser processadas pelas cortes do Reino Unido
9 de novembro de 2020
» O juiz sir Mark Turner considera abusivo o pedido de indenização dos atingidos contra a empresa anglo-australiana BMP Billiton. Advogados das vítimas recorrem
23 de março de 2021
» A Corte de Apleação em Londres nega o recurso e extingue o caso. Advogados apontam que a decisão foi tomada fora dos argumentos apresentados, desconsidera precedentes e ainda traz risco de grave injustiça sobretudo por fatos em andamento no Brasil, como possível suspeição da Justiça Federal, pedidos do MP para extinção da Renova e recuperação judicial da Samarco
04 de maio de 2021
» Juiz da Corte de Apelação em Londres se julga suspeito e transfere petição ao vice-presidente da instituição, que reabre a análise em processo que deverá ser decidido em julho de 2021, com possível novo julgamento sobre recurso dos atingidos
22 de junho de 2021
» Motivos afavor e contra a reabertura do pedido de apelação do processo dos atingidos contra a BHP Billiton são apresentados em petição extraordinária no Tibunal de Apelação com possível novo julgamento sobre recurso dos atingidos
27 de julho de 2021
» Tribunal de Apelação da Royal Courts of Justice de Londres decidem que o recursodos atingidos deve ser novamente ouvido e reabre o proceso internacional
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