Resposta à nota de esclarecimento do Prefeito do Serro

07/02/2021

*Matheus de Mendonça Gonçalves Leite

O atual Prefeito do Serro emitiu, no 05 de fevereiro de 2021, uma nota de esclarecimento sobre a assinatura da declaração de conformidade do empreendimento minerário “Projeto Serro” da mineradora Herculano Mineração. A nota está disponível em: https://www.serro.mg.gov.br/arquivos/nota_de_esclarecimento_-_carta_de_conformidade_07044658.pdf.

A nota de esclarecimento é mentirosa e visa enganar a população serrana sobre a competência do município para deliberar sobre a conformidade, ou não, de empreendimento minerário que se pretende implantar no seu território. A nota de esclarecimento oculta da população serrana as inúmeras ilegalidades e crimes, cometidos por servidores públicos municipais, com a conivência do antigo e do atual Prefeito do Serro, ao longo da tramitação do processo administrativo no âmbito do CODEMA/SERRO.

O atual Prefeito do Serro é um mentiroso contumaz e, por isso, precisa ser desmascarado perante a população serrana.

O Prefeito do Serro praticou um ato ilegal, porque o Plano Diretor do Município do Serro não permite a implantação de empreendimento minerário no local pretendido pela Herculano Mineração. O Prefeito do Serro atuou para favorecer os interesses privados da Herculano Mineração, em detrimento do bem comum e dos direitos da população serrana à segurança hídrica, da proteção do patrimônio cultural e do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Passo, então, a esclarecer a finalidade da declaração de conformidade municipal e apresentar alguns fatos relevantes ocorridos no âmbito do CODEMA/SERRO, que demonstram a irresponsabilidade do atual Prefeito do Serro. Não se deixem enganar pelas mentiras do atual Prefeito do Serro e lutem para impedir a deterioração da qualidade de vida da população serrana.

a) Da finalidade da Declaração Municipal de Conformidade à legislação de uso e ocupação do solo

O licenciamento ambiental do empreendimento minerário “Projeto Serro” é de competência do estado de Minas Gerais. O “Projeto Serro” é empreendimento de médio porte e de médio potencial poluidor, sendo classificado como um empreendimento de classe 3 de acordo com as diretrizes estabelecidas pela Deliberação Normativa COPAM n. 217/2017. O licenciamento ambiental deve ser realizado pela Superintendência Regional de Meio Ambiente do Jequitinhonha (SUPRAM Jequitinhonha), com sede na cidade de Diamantina.

Ninguém jamais questionou a competência do estado de Minas Gerais para a realização do licenciamento ambiental do empreendimento minerário. Esta informação é apresentada na nota de esclarecimento assinada pelo atual Prefeito do Serro para desviar o foco da discussão, que é a competência do Município do Serro para a deliberação sobre a conformidade de empreendimento minerário em relação à legislação de uso e ocupação do solo. O que importa discutir é a competência do município do Serro para a emissão da declaração de conformidade do empreendimento minerário “Projeto Serro”.

A legislação ambiental condiciona o início do licenciamento ambiental à emissão de “certidão da Prefeitura Municipal, declarando que o local e o tipo de empreendimento ou atividade estão em conformidade com a legislação aplicável ao uso e ocupação do solo”, em conformidade com o disposto no artigo 10, § 1º, da Resolução CONAMA n. 237/97.

Isso significa que, antes do estado de Minas Gerais iniciar o licenciamento ambiental do empreendimento minerário “Projeto Serro”, o município do Serro precisa analisar se o empreendimento minerário está localizado em área na qual se permite a implantação de mineração, de acordo com a legislação municipal. Se o município do Serro não emitir a declaração de conformidade, o licenciamento ambiental não tem condições jurídicas sequer de ser iniciado.

O município do Serro possui, então, competência para analisar qualquer empreendimento minerário com vistas a avaliar se o empreendimento é compatível com a legislação municipal de uso e ocupação do Serro, especialmente com as normas previstas no Plano Diretor do Município.

O Plano Diretor do Município do Serro, instituído pela Lei Complementar Municipal n. 075/2007, dividiu o território rural nas seguintes zonas: Zona de Preservação Ambiental – ZPA; Zona de Uso Sustentável – ZUS; Zona de Conservação e Ocupação Controlada – ZCO; Zona Especial de Exploração Mineral – ZEM; Zona de Sobreposição de Interesses – ZIS; Zona de Atividades Rurais – ZR; e, Área de Interesse Ambiental – AIA.

O Plano Diretor do Município do Serro inclui, como anexo à lei, um mapa com a delimitação precisa de cada uma das zonas em que se divide o território rural. Ademais, o Plano Diretor estabelece, de modo claro e objetivo, as atividades humanas que são permitidas e/ou proibidas em cada uma das zonas instituídas pelo Plano Diretor.

É importante destacar que o Plano Diretor institui uma Zona Especial de Exploração Mineral – ZEM e estabelece que apenas nesta zona é possível a implantação de empreendimentos minerários.

O empreendimento minerário “Projeto Serro”, na versão apresentada pela Herculano Mineração, está localizado fora da Zona Especial de Exploração Mineral – ZEM, em conformidade com o mapa anexado a esta resposta e elaborado pelo geográfico Frederico Gonçalves. Isso, por si só, demonstra o Plano Diretor do Município do Serro não permite a implantação de empreendimentos minerários na área abrangida pelo “Projeto Serro”. É clara e evidente a ilegalidade da declaração de conformidade assinada pelo Prefeito Municipal.

O empreendimento minerário “Projeto Serro”, na versão apresentada pela Herculano Mineração, está localizado em parte na Zona de Conservação e Ocupação Controlada – ZCO (área referente à poligonal do processo DNPM n. 831.516/2004) e em parte na Zona de Sobreposição de Interesses – ZIS (área referente à poligonal do processo DNPM n. 5.130/1956).

Na Zona de Sobreposição de Interesses – ZIS, é permitida a implantação de empreendimentos minerários desde que sejam preservadas as áreas imprescindíveis para a preservação do Rio do Peixe, em conformidade com o disposto no artigo 39 do Plano Diretor do Município do Serro (Lei Complementar Municipal n. 075/2007).

Na Zona de Conservação e Ocupação Controlada – ZCO, que compreende “áreas cobertas por significativos fragmentos florestais, as de alta declividade, bem como os trechos marginais dos principais córregos que cortam o município” (artigo 37 do Plano Diretor do Município do Serro), não é permitida a implantação de empreendimentos minerários na medida em que as diretrizes desta zona se orientam para promover a preservação dos mananciais hídricos e a formação de corredores ecológicos, em consonância com o disposto no artigo 37, parágrafo único, Plano Diretor do Município do Serro (Lei Complementar Municipal n. 075/2007).

O atual Prefeito do Serro tem consciência da ilegalidade da implantação de empreendimentos minerários na área do “Projeto Serro”. Tanto é verdade que, no dia 20 de novembro de 2015, o atual Prefeito do Serro declarou a desconformidade do empreendimento minerário “Projeto Serro” com a legislação municipal de uso e ocupação do solo, em conformidade com a foto do documento assinado pelo atual Prefeito do Serro.

A população serrana precisa questionar o atual Prefeito do Serro: afinal, se não houve mudança no Plano Diretor e o empreendimento minerário “Projeto Serro” está localizado na mesma área, por que o atual Prefeito do Serro alterou a sua decisão? O atual Prefeito do Serro está recebendo alguma vantagem econômica para mudar sua posição? O atual Prefeito do Serro recebeu promessa de vantagem futura? Por que o atual Prefeito do Serro adotou atitudes tão discrepantes em matéria relacionado ao futuro do Serro, ao bem-estar da população serrana, à continuidade da vida e das condições que proporcionam qualidade de vida aos serranos?

Não se esconda atrás de notas de esclarecimentos mentirosas e redigidas por assessores jurídicos que só desejam permanecer no cargo em comissão a que foram nomeados. Fale a verdade para a população serrana.

 

b) Da apresentação de estudo ambiental fraudulento ao CODEMA/SERRO.

Em 2015, o atual Prefeito do Serro declarou a desconformidade do empreendimento minerário “Projeto Serro” com a legislação municipal de uso e ocupação do solo, acatando a deliberação tomada pelo CODEMA/SERRO. O motivo determinante da deliberação do CODEMA/SERRO foi que o empreendimento minerário “Projeto Serro” coloca em risco a segurança hídrica da população serrana por afetar negativamente o Rio do Peixe e o Córrego Siqueira, em conformidade com a ata da deliberação do CODEMA/SERRO anexada a esta resposta.

Em 2018, a Herculano Mineração apresentou um documento intitulado “Projeto Serro:
Solicitação de declaração da prefeitura municipal do Serro – MG, conforme o art. 18 do Decreto Estadual no 47.383/2018 e o art. 10, §1º, da Resolução CONAMA nº 237/1997”. A Herculano Mineração afirma no documento indicado que havia modificado o “Projeto Serro”, que o empreendimento minerário não afetaria as águas superficiais e subterrâneas da bacia do Rio do Peixe e que os motivos determinantes da rejeição do “Projeto Serro” haviam sido resolvidos.

O documento apresentado pela Herculano Mineração foi submetido à análise técnica do geólogo Paulo Rodrigues (Professor da UFMG e pesquisador titular do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear – CDTN) e do geógrafo Frederico Gonçalves (Doutorando em Geografia na UFMG). A conclusão da análise técnica é que “a mineradora não reportou a verdade dos fatos em diversos itens, mas em especial quanto aos impactos sobre os aquíferos e águas subterrâneas”.

Em outras palavras, a mineradora apresentou um estudo ambiental fraudulento, com manipulação dolosa de informações, para ocultar que o empreendimento minerário causará a degradação dos recursos hídricos utilizados pela população serrana para a satisfação de suas necessidades vitais básicas.

A Professora da UFVJM, Dra. Alessandra Mendes Carvalho Vasconcelos, também considera que a mineradora apresentou um estudo ambiental fraudulento, com manipulação dolosa de informações, para ocultar que o empreendimento minerário causará a degradação dos recursos hídricos utilizados pela população serrana para a satisfação de suas necessidades vitais básicas.

Foi instaurado, então, inquérito policial para apurar a prática do crime previsto no artigo 69-A da Lei de Crimes Ambientais (Lei n. 9.605/98), que tramita no fórum da comarca do Serro sob o número 0671.20.001043-5. No inquérito policial, foi realizada perícia nos estudos apresentados pela Herculano Mineração, pelos professores Paulo Rodrigues e Frederico Gonçalves e pela professora Alessandra Mendes Carvalho Vasconcelos. A perícia foi conduzida pelo analista do Ministério Público e engenheiro de minas, Dr. Reinaldo Paulino Pimenta. A conclusão da perícia é que o estudo ambiental da Herculano Mineração não é confiável e não há garantias de que o empreendimento minerário não irá afetar as águas subterrâneas da bacia do Rio do Peixe.

É importante transcrever 2 conclusões que constam na perícia realizada pelo Ministério Público, quais sejam: 1) “em referência a possível existência de interferência em água subterrânea devido a execução dos cortes de terreno e aterros previstos no “Projeto Serro Conemp”, é nosso entendimento que os dados apresentados no documento “Solicitação de declaração da prefeitura municipal do Serro” não são suficientes para sustentar a afirmativa de que a execução dos cortes na área de lavra não provocará impactos na dinâmica das águas subsuperfície”; e, 2) “em relação à ocorrência de impactos nas águas subterrâneas devido a ocorrência de impactos nas áreas de recarga dos aquíferos, entendemos que considerando a similaridade entre o “Projeto Serro – Anglo American” e o “Projeto Serro – Conemp” e que no “Projeto Serro – Anglo American” foi prognosticada a possibilidade de ocorrência de impacto às águas subterrâneas, tal possibilidade deve também ser considerada no “Projeto Serro – Conemp”.

No inquérito policial n. 0671.20.001043-5, ficou devidamente comprovada a ocorrência do crime previsto no artigo 69-A da Lei n. 9.605/98: “Elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa”.

O atual Prefeito do Serro tinha conhecimento de todos estes fatos e de muitas outras ilegalidades cometidas no âmbito do CODEMA/SERRO. Portanto, é mentira a parte da nota de esclarecimento que afirma que a deliberação do CODEMA/SERRO em 2021 “obedeceu aos ditames legais”.

O atual Prefeito do Serro é cúmplice na prática do crime do artigo 69-A da Lei n. 9.605/98 e, portanto, não possui mais condições morais, políticas e legais de continuar a exercer a função de chefe do Poder Executivo Municipal. Se tivesse um mínimo de decência, o atual Prefeito do Serro deveria renunciar ao seu mandato eletivo para permitir que esta nobre função fosse exercida por alguém que, de fato, esteja comprometida com o bem público, com o direito e não tenha envolvimento com práticas criminosas. Como não parece ser este o caso, a única alternativa disponível é o início do processo de impeachment do atual Prefeito do Serro.

#ImpeachmentJaPrefeitodoSerro

*Matheus de Mendonça Gonçalves Leite
Professor Universitário e Advogado

 

DOCUMENTOS:

Deliberação – CODEMA

Projeto Serro – Relatório FINAL

PROJETO SERRO Analise – Alessandra

Parecer Técnico

MACROZONEAMENTO_SERRO_MINERANAO

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