Nota em Defesa dos Direitos da Comunidade Tradicional Carroceira

12/07/2023

A Comunidade Tradicional Carroceira de Belo Horizonte e Região Metropolitana vem, por meio desta nota, denunciar mais uma tentativa de criminalização do modo de vida
carroceiro e violação do seu direito à consulta prévia, livre e informada. O PL 545/2023, em tramitação na Câmara Municipal de Belo Horizonte, propõe a redução do prazo estipulado pela Lei nº 11.285/2021 de dez para cinco anos para a proibição da tração animal. Este projeto de lei representa um aprofundamento das violações dos direitos da Comunidade Carroceira e escancara o caráter racista e classista dessas ações, assim como os interesses econômicos e eleitoreiros daqueles que agem contra nossa comunidade.

Enquanto Comunidade Tradicional, exigimos que nossos direitos sejam respeitados. Além de todas as violações já ditas, tanto o PL 545/23 como a Lei nº 11.285/2021 desrespeitam o direito à consulta livre, prévia e informada garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, já que nunca fomos consultados sobre o que pensamos em relação aos impactos em nosso modo de vida. Violam, também o que está previsto nos artigos 215 e 216 da Constituição Federal Brasileira, a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais e a Política Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais. Exigimos que nosso Protocolo de Consulta Prévia, Livre, Informada, de Consentimento e Veto seja respeitado, de forma que possamos nos manifestar sobre qualquer projeto que nos afete (https://observatorio.direitosocioambiental.org/wpcontent/uploads/2022/11/Protocolo_Comunidade-Carroceira_RMBH_1.pdf).

Desde 2013 temos lutado contra as inúmeras tentativas de criminalização de nossos modos de vida. É preciso que toda a população compreenda que a falsa oposição entre direitos animais e direitos humanos serve apenas para os grupos políticos e as classes sociais que querem a cidade apenas para eles. A criminalização do modo de vida dos carroceiros atinge tanto a vida das famílias que perderão seu trabalho e renda quanto os próprios animais que terão suas condições de vida afetadas. Além disso, a possível separação entre famílias e seus cavalos representa o rompimento de histórias de afeto e cuidado.

Como já afirmamos inúmeras vezes, nossos animais são nossos companheiros de vida e trabalho. Aqueles que nos acusam de escravizar os cavalos não são capazes de
compreender o valor da liberdade que o trabalho na carroça nos proporciona. As elites deste país sempre detestaram que os trabalhadores fossem livres. A vida com nossos
animais não se reduz ao trabalho na carroça. Grande parte do nosso dia é dedicado aos cuidados com a saúde e alimentação de nossos animais. Cada cavalo tem nome, tem
personalidade, tem seu jeito de ser, tem uma história. As propostas absurdas de substituir nossos animais por “cavalos de lata” é que os tratam como se fossem meras
coisas ou máquinas.

O PL 545/23, assim como a Lei nº 11.285/2021, são o retrocesso das políticas públicas construídas para a Comunidade Carroceira em Belo Horizonte desde a década de 1990.
Desde 2014, tem ocorrido um claro desmonte das ações da prefeitura voltadas ao bemestar animal, fiscalização de casos de maus tratos e apoio aos carroceiros.

Somos os principais interessados em defender os direitos animais e combater qualquer forma de maus-tratos. Queremos a retomada e fortalecimento das políticas de apoio à Comunidade Carroceira e garantia das condições de vida de nossos animais. Queremos uma cidade para todos, sem distinção. Não aceitaremos as imposições de leis que
tentam negar nosso direito de trabalhar, nossa história e nosso direito de existir.

Nossa luta pelo direito de viver e resistir é a luta por uma cidade que respeita e acolhe a diversidade. Nossa luta é pelos direitos humanos e dos animais, pelo direito de toda a
natureza.

A cidade é nossa roça! Nossa luta é na carroça!

Belo Horizonte, 29 de Junho de 2023

Comunidade Tradicional Carroceira de Belo Horizonte e Região Metropolitana

Assinam esta nota em apoio:

1. Comissão Pastoral da Terra – MG
2. Articulação Metropolitana de Belo Horizonte – AMAU
3. Cáritas – MG
4. Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
(APOINME)
5. Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA)
6. Programa Mapeamento de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais – UFMG
7. Mutiró – Núcleo de Estudos em Agroecologia – CEFET/UEMG
8. Kaipora – Laboratório de Estudos Bioculturais – UEMG
9. Programa Encontro de Saberes – UEMG
10. GESTA – Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais – UFMG
11. Associação Cultural dos Condutores de Veículos de Tração Animal de Juiz de Fora –
ACOVETRA
12. Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos da Associação Brasileira
de Antropologia (ABA)
13. Federação dos Congados e Reinados de BH
14. CEDEFES – Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva
15. Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia – SBEE
16. Sociedade Latinoamericana de Etnobiologia – SOLAE
17. Movimento de Libertação Popular
18. Agência nacional de desenvolvimento e recursos assistenciais do povo cigano
19. Munzuá – Grupo de Pesquisa e Extensão em Territorio, Ambiente e Sociedade da Unilab
20. Rede Alerta Contra os Desertos Verdes
21. Articulação Pacari Raizeiras do Cerrado
22. RENAP – Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares
23. Reniu – Rede de Articulação Nacional de Indígenas em Contextos Urbanos e Migrantes
24. Comunidade Carajá de Minas Gerais
25. Laboratório de Educação Ambiental e Ecologia Humana – LEAEH/UNIMONTES
26. CEBI – Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos
27. Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar de Minas Gerais/FETRAFMG/CUT
28. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
29. Comunidades Eclesiais de Base – MG
30. Irmandade dos Mártires da Caminhada
31. Articulação Por uma Educação do Campo, Indígena e Quilombola no Semiárido Mineiro
32. Coletivo Balaio
33. Coletivo Minas Pró-Reparações
34. Articulação Nacional de Agroecologia – Grupo de Trabalho sobre Biodiversidade
35. Brigadas Populares
36. Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Ambiental – GEA/UFJF
37. Centro de Estudo, Pesquisa , Intervenção Ribeirão das Neves
38. Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas – CODECEX
39. Sind-REDE/ BH
40. Núcleo de Estudos em Agroecologia – IFS
41. Articulação Embaúba de Parteiras, Raizeiras e Benzedeiras da RMBH
42. Projeto Vida – Vida Projeto
43. Jornal A Sirene
44. Garimpeiros Tradicionais do Alto Rio Doce
45. Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de
Matriz Africana – FONSANPOTMA – MG
46. Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular
47. Rede Educafro Minas
48. Centro Franciscano de Defesa dos Direitos
49. Guarda de Congo Nossa Senhora do Rosário do Bairro Urca Pampulha
50. Casa de Assistência Social, Educacional e Cultural Seara Sete Luzes
51. Dom – Grupo de Pesquisa em Antropologia do Direito – UFMG
52. Pastoral do Povo em Situação de Rua

 

Clique aqui e acesse a NOTA em pdf

 

Print Friendly, PDF & Email