Neste período de pandemia, a mineração tem que parar! A vida é essencial, a mineração não!

29/05/2020

Fonte da Foto: https://mamnacional.org.br/2020/03/24/mineradoras-atentam-contra-a-vida-dos-trabalhadores-e-comunidades-mantendo-producao-em-plena-pandemia-de-novo-coronavirus/

 

No dia 28 de março de 2020, contrariando todas as recomendações da Organização Mundial da Saúde – OMS, o Ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, por meio da portaria MME nº 135/20, declarou como essenciais as atividades de exploração, beneficiamento e pesquisa mineral durante a pandemia. Atendendo os interesses do setor mineral, o Governo Federal, pelo decreto nº 10.329/20, tornou a mineração uma atividade essencial nesse período e, apesar de o Brasil já ter ultrapassado 20 mil mortes em decorrência de Covid-19, as operações do setor minerário se mantêm em pleno funcionamento.  Em suma, esta é mais uma ação genocida do Governo Bolsonaro na condução do Estado brasileiro.

É notório o caráter destrutivo do modelo de produção mineral operacionalizado no Brasil. Voltado para atender unicamente aos interesses financeiros dos acionistas das mineradoras, desconsidera todas as especificidades e particularidades locais, culturais e sociais das comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhas, rurais e urbanas dos diferentes estados do país. Objetiva passar por cima de tudo e de todos em busca unicamente de lucro!

Em Minas gerais, os rompimentos criminosos das barragens de Fundão e do Córrego do Feijão são dolorosas páginas da história recente. Agora, em tempos de pandemia, com a não paralisação das atividades nas minas e, consequentemente, com o expressivo número de trabalhadores e trabalhadoras submetidos à fácil contaminação a uma doença ainda sem cura, este grave contexto ganha novas conformações.

Na cidade de Itabira, mais de 80 trabalhadores da Vale S.A. testaram positivo para Covid-19 nas últimas semanas. Em Mariana, no dia 23 de maio, 26 funcionários da Vale, Fundação Renova e terceirizadas foram diagnosticados com a doença, dois dias depois, em 25 de maio, o número foi para 36, e no dia seguinte, 26 de maio, saltou para 59 casos de um total de 104 no município, segundo boletim da Prefeitura Municipal, ou seja, a mineração é responsável por mais da metade dos casos no município e o número mais que dobrou em apenas dois dias. Em Catas Altas já são 07 casos confirmados, expressivos 37 casos de Síndrome gripal Inespecífica, além de 55 casos de pacientes suspeitos e notificados para Covid-19 e 04 casos investigados. Estimativas alarmantes para um município de pequeno porte, mas que tem as atividades da mineração em pleno funcionamento. Em Congonhas, já foram notificados 1145 casos prováveis, há 260 pacientes em monitoramento pela Secretaria Municipal de Saúde e 02 óbitos confirmados em decorrência da Covid-19. Em Ouro Preto, conforme boletim informativo do dia 26 de maio, há 14 casos confirmados, expressivos 326 casos de Síndrome Gripal e já ocorreu 01 óbito, situação que ganha gravidade considerando o local de residência da vítima, que era morador do distrito de Antônio Pereira, localidade em que as atividades na Mina Timbopeba de propriedade da Vale S.A foram retomadas e há intensa movimentação e aglomeração de trabalhadores, além de famílias que estão sendo retiradas de suas casas em pleno contexto de pandemia. Estes dados confirmam a gravidade da situação nos municípios em que a mineração segue em pleno funcionamento e a urgência de tomada de decisão no sentido de salvar vidas.

Constata-se, que além dos riscos já associados à atividade da mineração, considerada a indústria mais letal do país, as mineradoras, ao manterem suas operações durante uma das maiores crises sanitárias do mundo, expõem milhares de trabalhadores e trabalhadoras ao risco de contaminação e morte por Covid-19 e ainda aproveita a situação de pandemia para assediar e ameaçar os empregos desses trabalhadores. Mais uma vez, o lucro é colocado acima da vida! No primeiro semestre deste ano, por exemplo, o lucro líquido da empresa foi de R$984 milhões. E, no momento em que a saúde e a vida deveriam ser prioridade, e que os recursos deveriam ser usados para salvar vidas, os trabalhadores e as trabalhadoras da mineração têm o seu direito à saúde violado, uma vez que lhes é negado o direito de permanecer em isolamento social, protegendo a si, suas famílias e comunidades.

Essa situação explicita uma completa subordinação e irresponsabilidade dos poderes públicos, especialmente do executivo e legislativo com a vida da população. É perceptível nos municípios que têm a mineração como principal atividade econômica e que tudo domina, como por exemplo em Mariana, Ouro Preto, Itabira, Congonhas, Catas Altas a precária estruturação das políticas e serviços públicos de saúde, assistência social e habitação. Não há estrutura hospitalar para atendimento da população em caso de picos de contaminação por Covid-19, não há ações planejadas para garantir renda e a sobrevivência imediata da população, não há condições adequadas de moradia para grande parcela da população, não há um enfrentamento contundente à lógica destrutiva imposta pelas mineradoras, e no caso de Mariana, também à atuação da Fundação Renova, que subordinou completamente o poder público municipal no que se refere à estrutura de atendimento especialmente nas áreas da saúde e assistência social. Além disso, nesse cenário de pandemia, as mineradoras buscam, através de doações à hospitais e prefeituras, legitimar sua atuação e garantir a aceitação social, mascarando problemas pelos quais são responsáveis.

Não bastassem as questões acima apontadas, a Fundação Renova manteve até o dia 21 de maio, em plena pandemia, a rotina nos canteiros de obras da reconstrução dos distritos destruídos pelo rompimento criminoso de 05 de novembro de 2015. Situação que colocou e manteve em risco os trabalhadores direta e indiretamente envolvidos nas atividades, a população de modo geral, especialmente os familiares destes trabalhadores, e teve relação direta com o expressivo aumento de casos de Covid-19 no município, além de duplamente ter violentado as comunidades atingidas, uma vez que, lhes impôs ter que optar por acompanhar as obras, sob o risco de contaminação, ou os impediu desse necessário acompanhamento, considerando a orientação de isolamento social à população. Evidenciamos que a paralisação tardia das obras pelo Comitê Gestor do Plano de Prevenção e Contingenciamento em Saúde da Covid-19, órgão da Prefeitura Municipal, ocorreu quando a doença já estava fortemente espalhada por Minas Gerais e também em Mariana e se dará apenas por um curto período de tempo, somente até o dia 31 de maio, prazo estipulado para a apresentação do Plano de Prevenção e Contingenciamento em Saúde pela Fundação. Apontamos a necessidade de prolongar o prazo após essa data, por tempo indeterminado, até que todos os trabalhadores e trabalhadoras tenham a devida segurança na área da saúde.

Está claro que a não paralisação das obras neste contexto tão adverso de sobrevivência e de necessidade de garantia da vida se dá exclusivamente para manter os interesses econômicos das empresas envolvidas na reconstrução/reparação. Não há consideração à vida dos trabalhadores e trabalhadoras, conforme os dados oficiais acerca da Covid-19 demonstram. Dados que em Mariana, inicialmente foram divulgados como sendo advindos das atividades da mineração, mas que agora passam a ser divulgados de modo genérico, “da iniciativa privada”, ocultando os nomes dos responsáveis diretos que são a Vale, a Fundação Renova e empresas terceirizadas. Mais uma vez se confirma o alinhamento e submissão do Estado, do governo municipal ao poderio das mineradoras!

Importante ressaltar que, enquanto milhares de trabalhadores e trabalhadoras são obrigados a colocar em risco suas vidas e de suas famílias, a Vale S.A decidiu dobrar a remuneração da diretoria executiva, que foi de R$85,4 milhões para R$175,3 milhões. Os territórios que já sofriam com os impactos extremamente danosos da exploração mineral, como a contaminação do ar, do solo e dos recursos hídricos, em um momento crítico como este, encontram-se ainda mais vulnerabilizados. Inúmeras famílias perderam suas fontes de renda e o auxílio emergencial oferecido pelo governo federal, além das dificuldades de acesso, é insuficiente para suprir as necessidades básicas. O que ocorre é que o governo Bolsonaro repassa trilhões aos bancos e à iniciativa privada e não oferece à população pobre brasileira nem sequer condições mínimas de sobrevivência!

Nesse cenário de aprofundamento das vulnerabilidades sociais, as mineradoras encontram um ambiente ideal para acelerar seus projetos e garantir seus interesses nos territórios. No distrito de Antônio Pereira, a Vale S.A. e a Prefeitura de Ouro Preto determinaram, à toque de caixa, a evacuação de 78 famílias das proximidades da barragem Doutor da mina de Timbopeba. A falta de diretrizes legais que orientem os processos de descomissionamento e descaracterização de barragens deixa a definição dos planos de ação na mão das mineradoras e resultam em uma série de violações de direitos.

O estado de pânico instaurado pela Vale S.A. no distrito se reflete no adoecimento dos moradores que vivem, desde então, a iminência do rompimento da barragem. Além do descaso da mineradora com a comunidade, que deslegitima suas reivindicações, a mesma não cumpre, sequer, as ações definidas no Plano de Emergência e desrespeita todas as recomendações da OMS neste período de pandemia. Não há atuação do poder público no território para garantir a tutela dos direitos dessas pessoas que, mais uma vez, encontram-se completamente desassistidas. Importante evidenciar que o que acontece em Antônio Pereira não é um fato isolado. O ‘Terrorismo de Barragem’ praticado pelas grandes mineradoras, especialmente a Vale S.A., só no ano de 2019,  deslocou mais de mil pessoas de seus territórios, em Minas Gerais.

Não bastasse, as mineradoras, juntamente com os governos, têm aproveitado o contexto de uma pandemia, que modificou completamente a vida da população e que impõe novas dificuldades e desafios à organização popular, para agilizar os processos de licenciamento ambiental que vêm acontecendo de forma online, sem a efetiva participação das comunidades locais que, devido às limitações de acesso à internet, ficam excluídas das discussões de projetos que impactam diretamente seus territórios. Ainda, com a redução das atividades dos órgãos de controle e fiscalização, as infrações ambientais tornam-se mais passíveis de serem negligenciadas pelo poder público.

Nesse sentido, as entidades e organizações abaixo listadas denunciam as mineradoras pelo autoritarismo, caráter destrutivo da natureza, desrespeito e tratamento violento às comunidades e pela completa desconsideração à vida das trabalhadoras e trabalhadores diretos e terceirizados, e o descaso dos poderes executivo e legislativo exigindo respostas contundentes sobre:

⇒A necessidade de paralisação imediata do trabalho na mineração em tempo de pandemia da Covid-19, com garantia de estabilidade no emprego, licença remunerada, salários e benefícios integrais para todos os terceiros e diretos.

⇒A necessidade de garantir renda às populações locais por meio de ações-programas assistenciais pelo poder executivo.

⇒A necessidade de adequada reestruturação e ampliação do atendimento na área da saúde, o que compreende: o aumento do número de leitos hospitalares, testes para confirmação de Covid-19, garantia de equipamentos de proteção individual às equipes de trabalho, equipes profissionais para atendimento na área de saúde mental especialmente da população residente nas comunidades que vivenciam o terror e o pânico das barragens e do trabalho na mineração.

⇒A necessidade de adequada reestruturação e ampliação do atendimento na área da assistência social, o que compreende:  a ampliação de benefícios eventuais como cestas básicas e auxílio funeral, garantia de equipamentos de proteção individual às equipes de trabalho do SUAS, reconhecimento e valorização via plano de carreira destes profissionais que estão cotidianamente na linha de frente, lidando com as mazelas sociais e são obrigados a dizer ‘não’ ao acesso aos direitos sociais pela população devido o descaso do poder público nesta área e ao assistencialismo e conservadorismo que se mantém como princípios orientadores de atuação.

⇒A necessidade de criação de programas de atendimento e crédito aos micro e pequenos empresários, bem como à agricultura familiar.

⇒A necessidade da garantia do repasse da CFEM equivalente à média dos 3 meses anteriores.

 

Assinam:

Associação dos Docentes da Universidade Federal de Ouro Preto (ADUFOP)

Cáritas Brasileira – Regional Minas Gerais em Mariana

Central Sindical e Popular Conlutas (CSP Conlutas)

Centro Acadêmico do curso de Serviço Social da UFOP (CASS Igor Mendes)

Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES)

Comissão dos Atingidos por Barragens de Antônio Pereira

Comitê Popular de Atingidos pela Mineração em Itabira e Região

Comitê Pereira de Luta

Coordenação Regional da Dimensão Sociopolítica da Arquidiocese de Mariana

Coordenação Arquidiocesana da Dimensão Sociopolítica

Comissão para o Meio Ambiente da Arquidiocese de Mariana

Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG)

Fórum Permanente da Bacia do Rio Doce

Intersindical Central da Classe Trabalhadora

Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)

Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

Movimento de Mulheres Olga Benário

Movimento de Mulheres em Luta (MML)

Movimento Serra Sempre Viva

Rede Igrejas e Mineração

Sindicato Metabase Inconfidentes

Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (SINASEFE – IFMG)

Unidade Popular pelo Socialismo

 

 

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