Modelo de produção, desmonte de políticas e pandemia aumentam fome e desigualdades

12/06/2021

Por Érica Daiane Costa | ASACom – para a Articulação Semiárido Brasileiro / Edição RBA Fábio M Michel

Fonte:https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2021/06/modelo-producao-desmonte-politicas-pandemia-fome-desigualdades/

Um quarto da população que passa fome hoje no Brasil vive no Semiárido, região que sofre mais o impacto de cortes em políticas e programas de alimentação

MST faz doação de marmitas à famílias vulneráveis. Pandemia se soma ao governo Bolsonaro para aprofundar tragédia social do país

 

Cerca de 20 organizações do campo e da cidade no Brasil divulgaram na quarta-feira (9) em suas redes a live “Quem tem fome, tem pressa! Agricultura Familiar Camponesa contra a pandemia da fome”. O evento contou com a participação da integrante da Direção Nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) Saiane Santos e da representante da Articulação Negra de Pernambuco (Anepe) e Coalizão Negra por Direitos Ingrid Farias.

A partir de um bate-papo intercalado por vídeos, as duas ativistas denunciaram o agravamento da fome no Brasil, sobretudo desde o ano passado. Um dos objetivos da iniciativa foi destacar que a realidade de pobreza, na verdade, nunca foi extinta no país, mas a fome havia sido amenizada devido às políticas públicas conquistadas, especialmente voltadas para segurança alimentar e distribuição de renda. Isso porque o problema da fome é um problema estrutural da sociedade, um problema do sistema capitalista, desse modelo de produção, como apontou Saiane.

Segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (Vigisan), em dezembro de 2020 já passava de 116 milhões o total de pessoas que não tinham acesso pleno e permanente a alimentos. Desse total, pouco mais de 19 milhões encontravam-se em situação de insegurança alimentar grave, ou seja, 9% da população do Brasil estava passando fome no final do ano passado.

 

Quando cruzados os dados da Vigisan com o de outras fontes, estima-se que no mínimo um quarto desta população que passa fome viva no Semiárido. Com o aprofundamento das crises sanitária, política e econômica no país, acredita-se que esse número só tenha aumentado nesse primeiro semestre de 2021.

Durante a live, Saiane lembrou que este avanço da fome no Brasil está atrelado ao modo de produção do agronegócio, que produz visando à exportação. E também ao desemprego e ao alto preço dos alimentos no contexto da pandemia da covid-19, que se estende por mais de um ano, bem como o desmonte de políticas federais. Por exemplo, o próprio Auxílio Emergencial, que sofreu redução brusca.

A situação é considerada mais grave nas regiões Norte e Nordeste e tem contado com dados alarmantes no campo. Uma enorme contradição, uma vez que é o campesinato que produz o alimento que vai para a mesa das famílias brasileiras. A população negra, conforme evidenciou Ingrid Farias, é ainda mais afetada, pois “o racismo atenua a desigualdade”.

Mobilizações e solidariedade

Ingrid falou da importância de campanhas que vêm sendo realizadas buscando garantir alimentos nas periferias, bem como as articulações para que se garanta vacina, uma vez que as pessoas negras estão em condições mais vulneráveis no enfrentamento à pandemia. Ela lembrou que a primeira morte causada pelo novo coronavírus no Brasil foi de uma mulher negra empregada doméstica. “Um dos serviços que foram tornados essenciais por esse governo que explora a morte da população preta”, denuncia a representante da Anepe e Coalizão Negra por Direitos.

O MPA também atribui ao governo, às bancadas da Câmara e do Senado a situação de retrocesso e insegurança alimentar vivido no país atualmente. Tem-se visto a flexibilização de leis ambientais, tentativas de legalizar a grilagem de terras, aumento da liberação de agrotóxico, inclusive muitos proibidos em seus países de origem, liberação de alimentos transgênicos, a exemplo do trigo que está em discussão no momento, pontuou Saiane Santos.

fome
Live foi transmitida por diversas organizações do campo e da cidade

Ela citou ainda as propostas de mudanças em leis fundamentais para o fortalecimento da agricultura familiar. Tais como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), cujas alterações, se aprovadas, beneficiam os grandes setores agrícolas.

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Desde o início da pandemia no Brasil, diversas iniciativas de organizações e movimentos sociais têm surgido no sentido de garantir alimento aos mais vulneráveis. “É nosso povo cuidando do nosso povo, porque esse governo genocida não cuida. Inclusive arca com ações que resultam na fome, mortes e desbanque das políticas já existentes”, reafirmou Ingrid Farias.

Uma dessas campanhas articuladas pela sociedade civil organizada é a Se Tem Gente com Fome, Dá de Comer, que conta com a participação da Coalizão Negra por Direitos, Anistia Internacional, Oxfam Brasil, dentre outras organizações.

Nestas campanhas, cestas distribuídas nas periferias e comunidades rurais são em grande parte compostas por alimentos saudáveis, sem agrotóxicos. Isso só ratifica que, para avançar na luta contra o racismo e por soberania alimentar, “é necessário ter esse projeto alinhado com o campo também. A gente sabe que a agricultura familiar é responsável pela maior parte do alimento que chega na cidade”, reconhece Ingrid Farias.

PL Assis de Carvalho

Também durante a semana, na terça (8), a Câmara aprovou o Projeto de Lei nº 823/2021. O PL Assis de Carvalho II prevê medidas para a agricultura familiar durante a pandemia, com fomento à produção de alimentos saudáveis. Com isso, pretende garantir a renegociação de dívidas, crédito, e auxílio emergencial específico para o setor, entre outros pontos previstos. Agora, o PL segue para votação no Senado.

Assis de Carvalho foi um deputado piauiense, morto em 2020, defensor da agricultura familiar. E seu nome foi dado à Lei nº 735, que chegou a ser aprovada no Congresso e enviada para sanção presidencial em agosto passado. Porém, foi praticamente vetada por completo pelo presidente Jair Bolsonaro, ratificando sua total falta de compromisso com a agricultura familiar.

Diversas organizações sociais do campo e da cidade e representantes de partidos políticos favoráveis à aprovação da Lei 735 se movimentam passado para garantir a promulgação deste instrumento legal de apoio ao setor, que produz 70% da alimentação consumida no país.

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