Funai assina ato de identificação e delimitação da Terra Indígena Krenak de Sete Salões

28/04/2023

Por Rafaela Mansur, g1 Minas — Belo Horizonte

Fonte:https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2023/04/28/funai-assina-ato-de-identificacao-e-delimitacao-da-terra-indigena-krenak-de-sete-saloes.ghtml

Ato foi assinado nesta sexta-feira (28), mesmo dia em que o g1 mostrou que ato de identificação e delimitação era uma das obrigações determinadas pela Justiça há um ano e meio e ainda não cumpridas.

Vestígios do reformatório indígena em Resplendor — Foto: Fred Bottrel/TV Globo

A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) assinou, nesta sexta-feira (28), o ato de identificação e delimitação da terra indígena Krenak de Sete Salões, na Região do Rio Doce, em Minas Gerais.

Conforme o g1 mostrou nesta sexta, essa era uma das obrigações – ainda não cumpridas – determinadas pela Justiça, em setembro de 2021, ao condenar Funai, União e estado de Minas por violações dos direitos humanos e civis do povo Krenak durante a ditadura militar.

A identificação e delimitação é uma das etapas do processo demarcatório e acontece após a conclusão e aprovação dos estudos antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais da terra indígena.

As próximas fases são:

  • declaração: o processo é submetido à apreciação do Ministério da Justiça, que decide sobre o tema e, caso entenda cabível, declara os limites e determina a demarcação física da área;
  • homologação: publicação dos limites materializados e georreferenciados da terra indígena por meio de decreto presidencial;
  • regularização: a Funai auxilia a Secretaria de Patrimônio da União a fazer o registro cartorário da área homologada.

 

O processo demarcatório só é finalizado após o registro da área em nome da União com usufruto indígena.

A área de Sete Salões, às margens do Rio Doce, é considerada sagrada pelos indígenas Krenak. Em 1972, eles foram obrigados a deixar a terra onde viviam, em Resplendor, e transferidos para a Fazenda Guarani, uma espécie de campo de concentração na cidade de Carmésia, a 300 km de distância.

Grande parte das terras foi distribuída a posseiros, mas, em 1993, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou nulas as transferências. Os indígenas recuperaram parte do território, mas a área de Sete Salões ficou de fora.

Também nesta sexta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou a homologação do processo de demarcação de seis terras indígenas. Segundo o governo, são as primeiras demarcações homologadas desde 2018.

Determinações judiciais

  • União, Funai e estado a realizar, em até seis meses, cerimônia para reconhecer as violações de direitos dos povos indígenas seguida de pedido público de desculpas ao povo Krenak, com divulgação nos meios de comunicação e canais oficiais;
  • Funai e o estado de Minas a implementar, com participação do povo Krenak, ações voltadas ao registro, transmissão e ensino da língua Krenak por meio do Programa de Educação Escolar Indígena;
  • a União a reunir e disponibilizar na internet, em até seis meses, toda a documentação relativa às violações dos direitos humanos dos povos indígenas, para livre acesso do público.

 

No entanto, no ano passado, a Funai apresentou um requerimento de concessão de efeito suspensivo à apelação.

Em outubro de 2022, a Justiça deferiu o pedido, o que significa que a sentença não tem efeitos até que o recurso seja julgado. Na prática, isso impede que o MPF exija o cumprimento das obrigações determinadas judicialmente.

Para o procurador da República Edmundo Antonio Dias, autor da ação do MPF, a demarcação do território sagrado de Sete Salões “sinalizaria que o Estado brasileiro não mais compactua com a impunidade de graves violações aos direitos humanos, como as que foram cometidas pela ditadura militar”.

“Isso tem um efeito pedagógico importante, que aponta para um caminho de repulsa a regimes autoritários, mediante a implementação de medidas de não-repetição, inclusive de caráter simbólico”, afirmou.

Indígena em pau-de-arara é exposto a autoridades em Belo Horizonte — Foto: Comissão da Verdade/Reprodução

Indígena em pau-de-arara é exposto a autoridades em Belo Horizonte — Foto: Comissão da Verdade/Reprodução

Violações

 

De acordo com as investigações do MPF, diversas arbitrariedades foram praticadas contra os povos indígenas em Minas Geris durante a ditadura militar. Entenda as violações aos direitos praticadas ao longo dos anos:

▶️ Em 1969, em Resplendor, na Região do Rio Doce, a Polícia Militar e a Funai instalaram o Reformatório Agrícola Indígena Krenak, na área do Posto Indígena Guido Marlière, onde viviam os Krenak, para o confinamento de indígenas classificados como “perturbadores da ordem tribal”.

▶️ Eles chegavam ao reformatório, uma espécie de presídio, sem uma “pena” definida, de forma que o tempo de permanência dependia do responsável pelo estabelecimento, Manoel dos Santos Pinheiro, conhecido como Capitão Pinheiro, que também é réu na ação.

▶️ Não havia julgamento. A tortura era comum, e os indígenas eram obrigados a fazer trabalhos forçados.

▶️ O local abrigou, até 1972, indígenas de mais de 15 etnias levados de vários estados do Brasil pela Guarda Rural Indígena. Os Krenak passaram também à condição de detidos.

▶️ A primeira turma da Guarda Rural Indígena, também criada em 1969, foi treinada pela PM e era composta por 84 indígenas de diferentes etnias e regiões do país. Eram indígenas punindo e vigiando outros, o que causou desagregação e estimulou conflitos entre eles.

▶️Em 1972, os indígenas que viviam no reformatório foram compulsoriamente transferidos para uma fazenda localizada na cidade de Carmésia, também na Região do Rio Doce, a Fazenda Guarani. Os Krenak, portanto, foram expulsos de suas terras e obrigados a viver a mais de 300 km de distância, em uma espécie de campo de concentração.

▶️ Grande parte das terras antes ocupadas pelos indígenas em Resplendor foi distribuída a posseiros.

▶️ Em 1993, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou nulas as transferências das terras habitadas pelo povo Krenak aos posseiros. Os indígenas recuperaram parte do território, mas a área de Sete Salões ficou de fora.

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