08/11/2021
Fome, queda de produtividade, migrações em massa, conflitos por recursos e instabilidade. Essas são algumas das previsões para o mundo, caso governos não consigam fechar um acordo para implementar medidas concretas para garantir um freio ao aquecimento global, em Glasgow, nesta semana.
Com a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas entrando em sua fase final, a constatação de negociadores é que o otimismo inicial deu lugar a um temor real de um colapso das negociações. Mas se governos não conseguem chegar a um consenso, cientistas preparam a publicação de mais um informe do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e que vai revelar que o planeta caminha para um impacto “irreversível” para a humanidade se as temperaturas continuarem a subir.
Num novo documento que será publicado em fevereiro de 2022 e que já começa a ser finalizado, o IPCC deixa claro que o mundo deve se preparar para mudanças profundas nos próximos 30 anos. Segundo o rascunho do informe, obtido pelo UOL, a incapacidade de governos de limitar o aquecimento para 1,5° C e a falta de um plano de adaptação terão consequências devastadoras.
O documento estima que, mesmo com o cenário de um aquecimento que não passe do patamar de 1,5° C, os bolsões de pobreza persistirão e, até 2030, o número de pessoas vivendo em extrema pobreza aumentará em mais de 132 milhões, além dos 700 milhões de habitantes no planeta que já sobrevivem nessa situação.
Isso ainda geraria deslocamentos de populações e migrações de populações incapazes de se adaptar às mudanças climáticas.
“Mesmo com as mudanças climáticas atuais e moderadas, as pessoas vulneráveis experimentarão uma maior erosão da segurança de meios de subsistência que podem interagir com crises humanitárias, tais como deslocamento e migração forçada e conflitos violentos, e levar a pontos de ruptura social”, diz. “O deslocamento pode reconfigurar dramaticamente as comunidades com implicações para a coesão social e os sistemas de conhecimento”, constata.
De acordo com o documento, um dos principais impactos será na produção agrícola, um dos pilares da inserção do Brasil no mundo. De fato, em Glasgow, parte da participação oficial do governo brasileiro no debate ocorre em sintonia com o setor agrícola.
O IPCC revela que, de fato, já houve uma queda de 4% a 10% na produtividade no campo no mundo nos últimos 30 anos, por conta das mudanças climáticas. Isso já teria afetado 166 milhões de pessoas, principalmente na África e na América Central, causando dependência da assistência humanitária devido a emergências alimentares relacionadas ao clima entre 2015-2019. Só na África Subsaariana, as produções de milho e trigo diminuíram 5,8% e 2,3%, respectivamente.
Mas isso deve se aprofundar, aumentando a fome em até 80 milhões de pessoas até 2050. “As mudanças climáticas estão mudando as regiões agrícolas, contraindo seus limites e contribuindo para perdas de culturas e gado em larga escala e qualidade reduzida”, alerta.
“O aquecimento projetado, o estresse hídrico e os extremos climáticos aumentarão a variabilidade espacial e temporal na produção agrícola, exacerbando a insegurança alimentar regional e a desnutrição”, alerta. “A variabilidade climática potencialmente sincronizada entre as principais regiões produtoras de alimentos aumentará a perda simultânea de colheitas”, destaca o documento, indicando ainda o risco de aumentos na incidência de pragas e doenças. “Um maior controle de pragas devido ao aumento da reprodução e redistribuição causará um aumento no custo de produção, perda de biodiversidade e impactos no ecossistema”, diz.
O aumento das concentrações atmosféricas de CO2 também terá diversos impactos. Um deles é a redução da densidade de proteínas e outros nutrientes importantes em algumas culturas, piorando a qualidade dos alimentos e a nutrição.
“Os principais impactos projetados das mudanças climáticas no setor agrícola e alimentar incluem um declínio na pesca, aquicultura e produção agrícola, as principais produções agrícolas serão impactadas particularmente na África Subsaariana, América Central e do Sul, Sul e Sudeste Asiático, uma redução na produção animal na Mongólia, e mudanças nos sistemas agrícolas e nas áreas de cultivo em quase todas as regiões, com implicações negativas para a segurança alimentar”, destaca.
Por exemplo, um aumento de temperatura de 2,3 º C causaria um declínio de até 415 mil km² de terras agrícolas na Mesoamérica e até 405 mil km² na América do Sul.
Na Europa, as perdas de rendimento do milho aumentarão com os níveis de aquecimento, enquanto a produção de cereais e soja em baixas latitudes está projetada para diminuir em aproximadamente 5% para cada grau Celsius de aquecimento. A produção australiana de trigo pode diminuir de 7% a 9% até 2050.
Em resumo, o IPCC prevê que o impacto das mudanças climáticas sobre os sistemas alimentares será profundo, com “consequências negativas para a renda, alimentação e segurança nutricional para milhões de pessoas, especialmente em latitudes baixas [do planeta]”.
As transformações ainda afetam a previsibilidade da data ou do local de plantio, resultando na “redução da qualidade do produto colhido, com consequências para a subsistência”.
“O aumento da variabilidade climática e extremos afetam negativamente os sistemas agrícolas baseados na pecuária, incluindo a dinâmica do rebanho e as taxas de recuperação, impactando diretamente a resiliência das famílias”, constata o IPCC.
Assim como já veio alertando nos últimos anos, o IPCC deixa claro que o aquecimento além de 1,5 ° C acima das temperaturas pré-industriais causará “impactos progressivamente sérios, por séculos e, em alguns casos, irreversíveis para sistemas humanos e ecológicos, incluindo extinções de espécies e impactos do nível do mar nos sistemas costeiros”.
Para o IPCC, apenas mudanças no padrão econômico não serão suficientes para lidar com essa realidade. A entidade defende amplos planos de adaptação, inclusive para transformar a agricultura da América do Sul e de outras regiões do mundo.
Mas, para governos, isso apenas poderá ocorrer quando países ricos estiverem dispostos a cumprir suas promessas e fazer as transferências de recursos que já foram estabelecidas em 2009 e 2015.
Em Glasgow, porém, uma vez mais a questão financeira para a adaptação está no centro do debate. Emergentes, como o Brasil, insistem que os valores estipulados no passado de 100 bilhões de dólares por ano de transferência de ricos para pobres já não são suficientes e que um comitê deve ser estabelecido para buscar um novo patamar, para além de 2023.
A proposta, porém, é rejeitada pelos países ricos e, faltando apenas cinco dias para o fim da COP26, um impasse completo domina o processo na Escócia.