Em Barra Longa (MG), 6 das 11 pessoas diagnosticadas com metais pesados no sangue morreram

05/11/2021

Pedro Stropasolas

Fonte:https://www.brasildefato.com.br/2021/11/05/em-barra-longa-mg-6-das-11-pessoas-diagnosticadas-com-metais-pesados-no-sangue-ja-morreram#.YZ-dTQZam74.whatsapp

“O câncer foi comendo a pessoa”, revela Simone Silva, mãe de uma das pacientes contaminadas pelos rejeitos da Samarco

Pesquisa recente em Barra Longa apontou que moradores estão contaminados por metais pesados

Pesquisa recente em Barra Longa apontou que moradores estão contaminados por metais pesados – Fernanda Brescia

“Eu tenho uma filha contaminada que a equipe médica já me disse: ‘Simone, dificilmente sua filha conseguirá entrar numa fase adulta devido à contaminação que ela tem no organismo’. Então, eu não posso parar. Enquanto eu tiver vida, eu tenho que lutar”.

O relato de Simone Silva, moradora de Barra Longa (MG), é a síntese do desalento e da indignação em que vivem centenas de famílias do município –  o único que teve o centro urbano tomado pela lama da Vale/Samarco/BHP Billiton.

Sua filha, Sofya, tinha apenas dez meses quando a Barragem de Fundão, em Mariana (MG), se rompeu há exatos 6 anos, matando 19 pessoas e despejando cerca de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro ao longo da Bacia do Rio Doce.

Desde o crime, começaram a apresentar os primeiros sintomas de intoxicação. Hoje, além de infecções no intestino e no cérebro, a menina de 7 anos apresenta problemas respiratórios e de pele, e desde o início da pandemia não sai de casa.

Em 2017, quase dois anos após o rompimento, Sofya e mais 10 moradores de Barra Longa (MG) participaram de um estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade (ISS), o primeiro diagnóstico toxicológico mais aprofundado sobre a população do pequeno município.

A pesquisa comprovou que todos tinham um alto nível do metal níquel no sangue e uma quantidade anormal de arsênio.

Hoje, ao Brasil de Fato, Simone revela que das 11 pessoas que participaram da pesquisa, 6 morreram.

“As pessoas foram perdendo pedaços do corpo. Cortavam um pedacinho do dedo, depois cortavam um pé, depois a perna, o trem aqui é muito grave. E não é por falta da gente gritar que ninguém sabe disso. Se 11 fizeram exame, e 6 já morreram, a situação é crítica gente”, conta.

A coleta das amostras de sangue foi feita em pessoas com idade entre 2 e 92 anos, e que já vinham apresentando problemas de saúde após o rompimento, em 5 de novembro de 2015.

A médica Evangelina Vormittag, que coordenou a pesquisa na época, confirmou ao Brasil de Fato que o Instituto Saúde e Sustentabilidade não acompanha o quadro dos pacientes desde 2018 – alguns, como o caso de Sofya, chegaram a viajar até São Paulo (SP) para serem atendidas no Hospital das Clínicas. A médica tinha conhecimento de 2 óbitos.

Vale/Samarco/BHP Billiton, por meio da Fundação Renova, nunca aceitaram os resultados das análises, e ainda sustentam em seus veículos oficiais que os rejeitos não são tóxicos.

O tratamento de Sofya hoje é custeado por meio de uma decisão da justiça, já que a Renova se recusou a garantir e reconhecer a gravidade do quadro de saúde da criança.


Obra do novo Parque de Exposições, em frente à Volta da Capela / Pedro Stropasolas

Racismo na reconstrução do município

Em Barra Longa (MG), a reconstrução e limpeza do município por parte das mineradoras, sob responsabilidade da Fundação Renova, foi realizada sem a retirada da população.

Alguns locais foram mais impactados, como foi o caso do bairro Volta da Capela. Na comunidade, que tem a população predominantemente negra, foi depositado grande parte do lixo do minério retirado da cidade.

“Muitos que tiveram contato com a lama, surgiram com câncer assim do nada. E o câncer foi comendo a pessoa de uma hora para outra, pessoa que nunca teve problema na vida dele”, revela a mãe de Sofya, destacando a prática de racismo ambiental por parte das mineradoras.

No ano passado, a realização de um estudo, a pedido do Comitê Interfederativo (CIF), foi uma das mais recentes comprovações da exposição dos 5 mil habitantes aos metais pesados vazados da Barragem do Fundão, há exatos 6 anos.

O laudo da empresa Ambios Engenharia, com ampla experiência na área, classificou o município de Barra Longa com risco iminente à saúde humana pela contaminação do solo, das águas e do ar.

A pesquisa, porém , foi refutada pelo juiz Mário de Paula Franco Júnior, da 12  Vara de Belo Horizonte, que chegou a classificar as análises como “imprestáveis, inservíveis, inadequadas”.

“Provas, nós temos. Documentos, nós temos. Estudos e mais estudos. Mas quem vai fazer a justiça? Onde nós vamos buscar essa justiça?”, finaliza Simone Silva.

Outro lado

Brasil de Fato procurou a 12ª Vara Federal Cível e Agrária da SJMG, mas não obteve retorno.

Confira as respostas enviadas pela Fundação Renova ao Brasil de Fato, sobre os assuntos levantados na reportagem:

1Em relação a saúde dos atingidos, em 2017, quase dois anos após o rompimento, Sofya Silva – filha da moradora de Barra Longa (MG) Simone Silva -, e mais 10 moradores do município participaram de um estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade, sobre a possível contaminação da população por metais pesados provenientes do rejeito vazado da barragem.

A Fundação Renova esclarece que, conforme estabelecido pelo Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), a instituição vem cumprindo todas as ações previstas e destinadas a prestar apoio para o atendimento à Prefeitura de Mariana na execução dos planos de ação de saúde e de assistência social para atenção às famílias atingidas e que sofreram deslocamento físico. Até o momento, foram investidos cerca de R$ 16 milhões no município para essas ações.

Nas áreas de saúde e proteção social, a Fundação Renova apoia o município com o incremento das políticas públicas e com a contratação de cerca de 30 profissionais – entre médicos, fisioterapeuta, odontólogo, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e psicólogos, por meio de empresa terceirizada. As atividades destes profissionais estão sob a gestão da Secretaria Municipal de Saúde e de Desenvolvimento Social e Cidadania.

Outros profissionais complementares também têm sido contratados diretamente pela Prefeitura de Mariana, com o financiamento da Fundação Renova, conforme Acordo Judicial firmado. A Fundação Renova também entregou, em maio de 2020, o novo Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSij).

O espaço foi reformado e ampliado pela Fundação, possibilitando melhorias no atendimento, tratamento e acolhimento de crianças e adolescentes portadores de transtornos mentais graves e persistentes em Mariana (MG) e região. As obras fazem parte do compromisso firmado entre a instituição e a Prefeitura de Mariana. A Secretaria de Saúde do município faz a gestão do novo centro, que conta com um atendimento integral realizado por uma equipe multidisciplinar, formada por psicólogos clínicos, psiquiatra, assistentes sociais, fonoaudiólogo, terapeutas ocupacionais, sociólogo e arte terapeuta.

Em Barra Longa, a Fundação efetua o repasse de cerca de R$ 8 milhões para fortalecimento dos serviços públicos de saúde do município. O repasse é resultado de acordo judicial, firmado entre o município de Barra Longa, a Fundação Renova e suas mantenedoras. A atenção à saúde da comunidade de Barra Longa é realizada desde o rompimento da barragem de Fundão, em 2015. A partir de 2016, a Fundação Renova passou a disponibilizar profissionais de saúde e de assistência social para o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

2) A pesquisa demonstrou que todos apresentavam níquel no sangue e níveis de arsênico acima do normal. Hoje (4), em entrevista ao Brasil de Fato, Simone Silva revelou que das 11 pessoas que participaram da pesquisa, 6 já morreram.

A Fundação Renova esclarece que os estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana (ARSH) realizados em Mariana, Barra Longa e Linhares necessitam de complementação de dados para que seus resultados sejam conclusivos, por determinação judicial. Para as demais áreas, os documentos para o início dos estudos foram elaborados e aguardam manifestações do juízo. Os estudos de ARSH servirão de base para o desenvolvimento dos estudos epidemiológicos e toxicológicos. O assunto saúde é um dos eixos prioritários sob discussão na 12ª Vara Federal, em Belo Horizonte.

3) A Fundação Renova tem conhecimento destes óbitos relatados por Simone? A mãe de Sofya também alega que a Renova se recusou a custear o tratamento de saúde da menina, hoje com 7 anos. O que a Renova tem a comentar sobre esta alegação?

Em respeito à privacidade dos atingidos, a Fundação Renova não comenta casos específicos publicamente. Para este atendimento, os atingidos contam com os canais de atendimento e diálogo.

 

Edição: Leandro Melito

 

 

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