Em audiência na ALMG, representantes da comunidade também reivindicam acesso a políticas públicas.

Reunião foi realizada pela Comissão de Direitos Humanos, que ouviu as demandas da comunidade cigana

Reunião foi realizada pela Comissão de Direitos Humanos, que ouviu as demandas da comunidade cigana – Foto: Willian Dias

Os ciganos têm como principal bandeira atualmente a luta pela regularização dos territórios onde vivem e isso pode garantir o exercício de outros direitos que vêm sendo negados a essa comunidade. Essa foi a principal constatação da presidenta do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial, Valdinalva dos Santos Caldas, nesta quarta-feira (30/10/19).

Também representante dos Ciganos na Comissão de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas, Valdinalva participou de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Ciganos pedem atenção a demandas

Ciganos cobram maior acesso a políticas públicas

A reunião foi solicitada pelas deputadas Leninha (PT) e Andréia de Jesus (Psol) e pelo deputado Celinho Sintrocel (PCdoB), com o objetivo de debater a violação de direitos do povo cigano, especialmente de acesso a políticas públicas municipais.

“Nossa maior luta é por território, sem ele não temos educação, saúde, nem nada”, afirmou Valdinalva. Ela destacou as demandas nesse sentido em seis municípios: Ibirité, Pedro Leopoldo e Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte; Santa Bárbara e Conselheiro Lafaiete, na região Central; e Juiz de Fora, na Zona da Mata.

Ela cobrou providências do Ministério Público para que exija das prefeituras dessas cidades projetos de regularização dos terrenos dos ciganos. A dirigente ainda pediu apoio dos parlamentares para que destinem emendas a projetos de melhoria de infraestrutura para essas comunidades. E defendeu a aprovação de dois projetos de lei: criando o Dia Estadual dos Ciganos, em 24 de maio; e estabelecendo a Lei da Indumentária, para garantir o direito ao uso de objetos e expressões de povos tradicionais, como pinturas, colares e turbantes.

A audiência desta quarta-feira teve as presenças de outros líderes da comunidade cigana, como o presidente da Federação Mineira de Ciganos, Leonardo Costa Kwiek, e de representantes de acampamentos ciganos de diversos municípios.

Nomadismo – Depois de fazer um histórico sobre a origem dos ciganos, a pesquisadora do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes), Alenice Baeta, afirmou que considerar como nômades todos os integrantes dessa comunidade tradicional é um mito. “Em alguns casos, pode ser uma tradição, mas em outros, foi uma estratégia de sobrevivência”, declarou.

Alenice Baeta disse que, devido a perseguições ao longo da história, muitos ciganos adotaram o modo nômade. E a conduta teria dado origem ao argumento de que não precisariam de terra para viver. “Mas não é assim: os ciganos precisam de terra pelo menos para colocarem seus acampamentos”, afirmou.

Segundo Alenice Baeta, o poder público sempre adotou táticas para afugentar os ciganos 

Segundo Alenice Baeta, o poder público sempre adotou táticas para afugentar os ciganos – Foto: Willian Dias

A integrante do Cedefes lembrou que, no Brasil, há basicamente três etnias de ciganos: Rom, Sinti e Calon. Em nível mundial, a história cigana remonta há milênios, e a origem seria o Oeste da Índia. Devido à invasão de povos mongóis e muçulmanos, houve a fuga dos ciganos, que foram para diferentes regiões da Europa.

A etnia Calon foi a primeira a chegar ao País, em 1718. Desde então, lembra Alenice, o poder público adota a tática de “correria” imposta aos ciganos, como meio de sempre afugentá-los, utilizando a violência de forças policiais e milícias. “Esse histórico repercute até hoje na falta de políticas públicas para esse povo”, explicou Alenice.

Na avaliação de Ana Cláudia Storch, da Defensoria Pública de Minas Gerais, não se pode mais defender a criação de leis para garantir direitos aos ciganos e outras comunidades tradicionais. “As leis já existem, só não são cumpridas. Isso porque a estrutura social garante privilégios a alguns e, em contrapartida, retira direitos de outras parcelas da população”, apontou.

Ela citou especificamente a Lei Federal 13.465, de 2017, que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, e a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho, sobre Povos Indígenas e Tribais. “Estas e outras leis vêm sendo recusadas aos ciganos”, constatou.

Comunidade cigana de BH obteve termo de posse

Edmundo Dias Netto, procurador da República em Minas Gerais, citou um exemplo bem sucedido de reconhecimento da comunidade cigana: o governo federal emitiu um termo de posse para os ciganos instalados em um terreno da União em Belo Horizonte, no bairro São Gabriel. “Esse caso é paradigmático ao mostrar que nem todos os ciganos são nômades. Já foi comprovado que há nômades, sedentários ou semi-sedentários. E mesmo para os nômades, é preciso assegurar os locais de pouso”, observou.

Em nome da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, Clever Machado, coordenador de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, destacou que o governo realizou levantamento dos povos ciganos nos municípios citados. E foi constatada nas comunidades ciganas desses locais a ausência de políticas públicas, como as de saneamento básico, saúde e educação.

A deputada Andréia de Jesus lembrou que ainda é um grande desafio conseguir vagas para as crianças ciganas nas escolas. “Eles também enfrentam dificuldades para ter acesso à saúde, porque não têm endereço”, disse. Ela julga importante os ciganos romperem com a invisibilidade, pois só assim vão garantir que os serviços básicos estejam à disposição deles.

A deputada Leninha destacou que tramita no Senado o Estatuto do Povo Cigano. “O poder público tinha fechado os olhos para um grupo social importante na formação do povo brasileiro”, criticou. Ela leu vários pedidos de providência a diversas autoridades, a serem aprovados brevemente, solicitando políticas públicas para a comunidade cigana.

Consulte o resultado da reunião.

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