André Barrence, diretor do Google para Startups na América Latina - Divulgação

André Barrence, diretor do Google para Startups na América Latina

O Google vai investir em empresas brasileiras pela primeira vez e reservou R$ 5 milhões para isso. Mas não é qualquer uma que vai receber apoio. A gigante da tecnologia decidiu que vai colocar dinheiro apenas em startups de empreendedores pretos e pardos.

Por trás da iniciativa —lançada oficialmente nesta quarta-feira (9) dois meses após o anúncio— está André Barrence. Filho de nordestinos que se estabeleceram na periferia de São Paulo, o diretor do Google para Startups na América Latina sabe onde os obstáculos surgem quando um empresário negro busca capitalização para o seu negócio.

“Pela minha experiência, não só no Google, mas como negro que está atuando em tecnologia há algum tempo, o ponteiro que menos mexeu foi de negros e negras empreendedores”, resume.

Antes de embarcar no Google, Barrence, formado em direito e administração pública, trabalhou por dez anos como servidor público do governo de Minas Gerais. Durante esse tempo, acumulou experiência implantando parques tecnológicos das universidades do estado e ajudando pesquisas acadêmicas a virarem empresas ou produtos.

Após estudar na London School of Economics and Political Science, em Londres, e na Universidade de Harvard (EUA), voltou ao Brasil e desenvolveu, junto ao governo mineiro, uma aceleradora de startups que operou entre 2011 e 2015.

Líder desde 2016 do primeiro espaço para empreendedores da empresa, o Google Campus, Barrence viu o número de empresas iniciantes lideradas por mulheres crescer ano a ano. Quando o recorte racial era considerado, o número de startups permanecia baixo.

Como o Brasil, sendo o segundo maior país de população negra no mundo, ainda é uma subpotência na participação de empreendedores negros resolvendo problemas não só da população negra, mas que passam pela sociedade brasileira? André Barrence, diretor do Google para Startups na América Latina. André Barrence, diretor do Google para Startups na América Latina

Para o diretor, empreendedores negros enfrentam barreiras maiores que as encontradas por seus colegas brancos. As três principais delas são:

Acesso a investimentos e conhecimento em educação empreendedora: “por mais automatizados que sejam os processos, eles ainda são decididos por pessoas, que possuem vieses conscientes e inconscientes. O empreendedor negro de uma startup que pedir financiamento a um banco vai ouvir: ‘O que você tem para oferecer como garantia?’. E muitas vezes não temos nada, quando muito um computador, um monitor e uma ideia na cabeça”

Oportunidade para criar produto ou negócio inovador: essa carência, diz Barrence, vem da falta estrutural de educação formal para a população negra, o que dificulta conseguir chances qualificadas de trabalho. “A população negra tampouco tem acesso a educação formal ou ao mercado de trabalho em tecnologia para eventualmente trabalhar ou fundar um startup”, diz.

Referência em vários setores: a ausência de pretos e pardos em posições de destaque no mundo empresarial, afirma o diretor, acaba “criando um ecossistema altamente tradicional ou conservador, sem representatividade e sem inspiração para a população negra”.

Ser exceção em sua área é algo que Barrence vive na pele desde criança. “Para mim, sempre foi muito presente me declarar negro”, diz. Mas isso ficou mais marcado quando saiu da zona leste de São Paulo e foi para Belo Horizonte, onde morou em um bairro de classe média. “Nas escolas particulares em que estudei, virei o ‘Negão’, o ‘Pretinho’, já que eu era, junto de mais uma pessoa, o único negro da escola”, conta.

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André Barrence, diretor do Google para Startups na América Latina.

 

A ideia de montar o fundo foi amadurecida ao longo dos últimos quatro anos. Mas saiu do papel, de fato, após casos de violência policial contra negros nos Estados Unidos terem “aflorado a sensibilidade” das lideranças do Google, diz o diretor. Barrence temperou sua proposta com dados alarmantes da desigualdade racial no Brasil. Negros são três a cada quatro vítimas de homicídios no país, segundo dados do Atlas da Violência 2020.

“Quando falo das estatísticas da violência racial no Brasil, as pessoas não conseguem ter dimensão que aqui os casos são rotineiros. Eu falo que isso acontece a todo momento. É um câncer, uma questão muito grave na sociedade e que é replicada ao longo dos anos.”

A origem na periferia paulistana é ainda presente na vida de Barrence. Ele conta que, na mesma semana que fez a proposta do projeto ao Google, um policial atirou nas costas de um suspeito de roubar uma moto em São Miguel Paulista, bairro onde ele cresceu.

Mas nem todas as conexões com a região são trágicas. “Eu e meus primos rimos no grupo da família no WhatsApp. Eu coloquei o nome do meu filho de Miguel, e eles falam que foi em homenagem ao bairro. Embora agradeça muito pela minha infância em São Miguel Paulista, meu filho se chama Miguel por causa da minha devoção a São Miguel Arcanjo”, conta rindo.

Outro detalhe que ajudou na hora de convencer o Google foi uma provocação feita por Barrence. Ao falar do projeto, ele disse que, se a empresa, de fato, quer a missão de democratizar o acesso à tecnologia e à informação, tem de dar oportunidade a todos.

Sobre o fundo

Apoiado pelas organizações Vale do Dendê e Preta Hub e com cerca de R$ 5 milhões, o Black Founders Fund do Google tem o objetivo de investir em 30 startups fundadas por negros e negras. Para concorrerem ao capital, as empresas precisam estar em funcionamento, ter um produto, um modelo de negócio viável e listar seus potenciais clientes. Outro critério exigido pela empresa é que a tecnologia seja parte relevante na estratégia para entregar a solução criada.

Os investimentos começam a ser realizados agora em setembro e o valor destinado a cada empresa será variável em função de suas necessidades.

Para participar, os interessados podem fazer inscrições por meio de um formulário disponível no site durante todo o período ativo do fundo. É possível ainda indicar empresas. As três primeiras startups já foram selecionadas: são Afropolitan (moda e cultura), Creators (comunicação digital) e TrazFavela (delivery).

Além do investimento direto, o Google vai fornecer às empresas escolhidas acesso gratuito a algumas de suas plataformas, como o Google Ads (para área de marketing) e o Google Cloud. Tudo isso sem que a gigante norte-americana fique com uma fatia acionária da startup. “Um dos grandes diferenciais é que a gente vai investir, mas não vamos ter participação nas empresas”, diz.

Aos interessados, um aviso: apesar de Barrence afirmar não haver prazo para novas inscrições, ele diz que gostaria de anunciar os próximos investimentos em novembro.

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