Quartel do Indáiá

23/03/2010

 

QUARTEL DO INDAIÁ
 
LOCALIZAÇÃO
A comunidade quilombola Quartel do Indaiá está situada no distrito de São João da Chapada, município de Diamantina, na região do Alto Jequitinhonha. O acesso é pela BR 367, até o trevo de Guinda; daí segue-se por uma estrada vicinal de cascalho, de difícil acesso no período das chuvas, até Sopa e São João da Chapada. A distância é de
aproximadamente 10 km.
 
HISTÓRIA
A comunidade Quartel do Indaiá surgiu na fronteira do Distrito Diamantino, onde funcionava um posto de fiscalização construído, provavelmente, da década de 30 do século XVIII. Existem ainda, no centro do quilombo, as marcas da antiga construção. Segundo as histórias locais, há muitas aparições de escravos que foram mortos e torturados.
A fiscalização contra o contrabando de diamante foi bastante rígida, sendo necessária a criação, pela Coroa portuguesa, de uma legislação própria para manter o controle sobre a região. As novas leis substituíram os contratadores pela figura do intendente, com seu odiado “Livro da Capa Verde”, que lhe dava plenos poderes. Foi também estabelecida a Real Extração, em que se instituiu a prática mineradora como exclusividade da Coroa.
A comunidade surgiu logo após o fim do Distrito Diamantino, com a desativação do posto de fiscalização, no início do século XIX. O morro mais próximo do quilombo é conhecido como Makeba, palavra de origem banto. Segundo os moradores, o morro Makeba era usado por escravos fugidos, para se esconderem dos fazendeiros e da fiscalização. Eles praticavam assaltos na região para poderem sobreviver, e escondiam o fruto do roubo nesse morro. Segundo o morador Expedito, “Na comunidade havia um túnel que dava no morro do Makeba. O fugido saía na beira da estrada, daí para a beira do rio e para o mato. Assim assaltavam a tropa. O carregamento de diamante era jogado dentro do túnel. Quando o dono da tropa chegava no local, todo o carregamento já estava vazio. Antes o morro do Makeba era chamado por muitos de esconderijo. O túnel não era muito grande.
A cera era carregada misturada ao ouro e diamante; faziam um bolo de cera para que pudessem passar despercebidos, e a passagem era feita dentro do mato.” Na década de 40 do século XX, as terras da comunidade começaram a ser griladas. A moradora Tereza afirma que: “Antes a nossa terra era muito grande. Esta ia longe! Meus bisavós por parte de mãe são forrados (forros), então arrendaram terra. Meus avós são daqui, só
que eles moravam bem mais pra baixo, lá na Vargem do Curral. Depois meu avô saiu de lá, derrubou a casa e fez outra aqui”. Seus avós eram primos, “malungos”.
Na atualidade, segundo os moradores, a área da comunidade reduziu-se a aproximadamente 15% de seu território tradicional. Segundo Tereza: “Aqueles da época de meus avós que tinham arame pra cercar não perderam suas terras, os que não tinham foram perdendo”.
Depois disso, conforme descreveu o morador Geovane, de 70 anos:
“A vida aqui modificou em alguns pontos, mas em outros não! Aqui muitos trabalham e não alcançam nada. Hoje na comunidade ainda tem lavoura, mas essa vive maltratada porque não temos máquina e nada para poder cultivar a terra. E aqueles que tiveram uma condição melhor passaram a mão nas terras todas e os mais fracos ficaram sem nada. Quando falo, tiro da experiência que tive junto à minha família, que antes tinha grande expansão de terra e hoje não tem nada! Eles vieram aqui e fecharam, dominaram, venderam nossas terras, que hoje já foram passadas para outros donos.”
 
GEOGRAFIA E MEIO AMBIENTE
A vegetação predominante é de cerrado gramíneo lenhoso e Campo rupestre, que se apresenta em áreas de maior declive. Nele percebem-se afloramentos de quartzito, de onde mina água de excelente qualidade.
A comunidade insere-se, segundo Jurandir Ross, no cinturão orogênico de planaltos e serras do Atlântico leste-sudeste. Apresenta clima classificado como tropical de altitude, alternadamente úmido e seco. As temperaturas médias anuais variam entre 19º e 27º C, e o índice pluviométrico pode alcançar 1.500 mm anuais.
Os cursos de água que cruzam o Quartel são os Córregos do Luiz Carlos e o Catemirim, que os primeiros moradores do local escolheram para a mineração do diamante.
Em função do garimpo praticado há 3 séculos no local, a vegetação nativa tem diminuído e alterado a paisagem no entorno. A conseqüência é o aumento dos processos erosivos, em que se incluem as voçorocas.
 
ECONOMIA LOCAL
A atividade econômica mais antiga desenvolvida no entorno da comunidade é o garimpo do diamante, praticado há 300 anos. Mas hoje ele não compensa, como afirma o quilombola Geovane: “Alguns da comunidade, ao ficarem mais velhos, ficam sem agüentar movimentar.
É por causa do garimpo desordenado, que é um trabalho pesado e não dá muito retorno. Tem época que chegamos a ficar aqui um ano e não achamos sequer um diamante. Aqui as pessoas são desanimadas, às vezes trabalham dois, três dias da semana – os outros dias ficam parados. Aqui quem ganha salário mínimo é somente quem já aposentou.”.
Quando tinham terra, a produção era farta. Na visão desse morador:
“O triste é que antes o pessoal da comunidade vivia de plantação, principalmente do feijão, milho, cana e mandioca.” Hoje, há apenas o cultivo de subsistência feito pela maioria das famílias nas proximidades de suas próprias casas. As lavouras incluem folhosos (couve, alface, cebolinha), café e árvores frutíferas (limão, laranja, banana).
A criação de galinhas é a mais comum no quilombo. Há também porcos e vacas; mas a criação é reduzida e não atende à finalidade comercial.
Não há mais extrativismo nem produção artesanal, que era muito praticada no passado. Quando há carência de algum recurso material, os moradores precisam buscar, normalmente a pé, em São João da Chapada.
Como a maioria dos moradores não dispõe de fontes adequadas de renda, muitos são obrigados a buscar trabalho em outras localidades. A maioria são jovens que se deslocam para o distrito de São João da Chapada, para a área urbana de Diamantina ou para outras cidades.
Na comunidade não há crédito rural, como o PRONAF. A maioria dos habitantes não é contemplada com projetos de governo, como o Bolsa Família, do qual participam apenas sete famílias. Não há crédito nem assistência técnica rural.
 
CULTURA
As principais festas são realizadas em julho, em homenagem a Nossa Senhora das Mercês, Nossa Senhora de Santana e São Vicente de Paula. Praticamente todos os quilombolas são católicos.
Dança-se a chula – violão, sanfona, pandeiro e caixa são tocados à medida que os versos são entoados em uma disputa. Palavras de origem banto são utilizadas em alguns desses momentos. Também é comum o lundum de pau – batuque de pau, com caixas batendo, violão, viola, cavaquinho, pandeiro, sanfona e cajados fazendo um recortado.
A dança acontece quando há o batuque – tocadores com paus, em que um bate e outro rebate – e o recortado.
O vissungo – canto fúnebre e de trabalho no garimpo – e o vilão são os cantos entoados pela comunidade. Somente os moradores mais velhos ainda sabem cantar os antigos vissungos, que tiveram origem nos garimpos da região. Esses cantos acompanhavam o trabalho nas minas e expressavam religiosidade, saudade ou sofrimento. Compostos por metáforas, eram incompreendidos pelos brancos.
Além de no Quartel do Indaiá, hoje o vissungo é cantado apenas no distrito de Milho Verde, no município do Serro.
Com muitos familiares vivendo fora, há redução gradativa de quilombolas participando da vida da comunidade. O que vem provocando grande perda em suas tradições culturais.
 
INFRA-ESTRUTURA
A maioria das casas de Quartel do Indaiá é feita de adobe, mas há também de alvenaria e pau-a-pique.
O saneamento local restringe-se à água canalizada dos cursos de água Luiz Carlos e Catemirim, que atualmente apresentam-se com vazão reduzida. A água captada é abundante e visivelmente limpa e não recebe nenhuma forma de tratamento.
Não há rede de esgoto, e aproximadamente dez casas apresentam fossas rudimentares.
Não há postos de saúde na comunidade, e o mais próximo está no distrito de São João da Chapada. O quilombo está incluído no Programa de Saúde da Família. Não há atendimento médico, e o hospital mais próximo encontra-se em Diamantina. Quando há necessidade de atendimento hospitalar, o transporte normalmente utilizado é o cavalo.
Na comunidade existe apenas uma escola seriada. Após essa etapa, os alunos dão continuidade aos estudos em São João da Chapada, onde há uma escola de ensino fundamental e Médio.
Há iluminação pública e rede elétrica, mas os moradores de casas construídas depois da implementação do sistema não recebem energia.
A comunidade não possui telefone nem transporte público. Para ter acesso a todos os serviços públicos, os moradores precisam se locomover, a pé ou a cavalo, os 10 km de distância até São João da Chapada.
 
PRINCIPAIS PROBLEMAS
A doença mais freqüente entre adultos e idosos, ocorrida nos últimos dois anos, é a hipertensão. As crianças geralmente apresentam viroses.
A incidência de alcoolismo na comunidade é grande, principalmente entre jovens e homens adultos. Segundo os moradores, o álcool faz parte da cultura local e é também utilizado como remédio.
Atualmente, segundos os moradores, os maiores problemas são a perda gradativa da identidade dos jovens, que se afastam do lugar de origem para estudar ou trabalhar, a impossibilidade de geração de renda local e a falta de assistência médica.
 
Fontes: CEDEFES; NASCIMENTO, 2003.
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