Os índios na fotografia brasileira

26/11/2013

Leonardo Wen, 32, foi fotógrafo da Folha de S. Paulo entre 2006 e 2010, e trabalhou para outras publicações e agências. Lançou dois livros sobre sua cidade natal: MetaBrasília (2008) e Apto – A moradia moderna de Brasília (2011). Agora, está lançando um site: povosindigenas.com.

A página é resultado de uma pesquisa contemplada com o Prêmio Marc Ferrez de Fotografia, da Funarte: “Iconografia fotográfica dos povos indígenas do Brasil”. O que já está no ar é uma parte do que Wen levantou, com imagens desde a primeira metade do século XIX. Há outros conjuntos que estarão em breve no ar, e ele promete continuar o mapeamento.

Um dos acervos em que se debruçou foi o do Instituto Moreira Salles, como mostram três das fotos presentes nesta página, feitas por José Medeiros, Henri Ballot e Maureen Bisilliat. Outras estão no site, inclusive de Marc Ferrez.

Wen explica nesta entrevista sua pesquisa, conta quais são os objetivos dela e cita as descobertas que considera mais preciosas no trabalho.

 

 

Walter Garbe: Índios botocudos (13/7/1909). Cachoeiro de Sta. Leopoldina, ES (Acervo BN)
Walter Garbe: Índios Botocudos (13/7/1909). Cachoeiro de Sta. Leopoldina, ES (Acervo BN)

 

Por que o interesse pelo tema e há quanto tempo você vem pesquisando?

Quando eu ainda morava em Brasília, minha cidade natal, eu cheguei a cursar metade do curso de graduação de ciências sociais, como foco em antropologia, na Universidade de Brasília. Entretanto, depois de dois anos decidi me mudar para São Paulo, para estudar fotografia em tempo integral. Ainda assim continuei ligado à antropologia: fiz algumas disciplinas como aluno ouvinte na USP, estagiei no Laboratório de Imagem e Som em Antropologia da mesma universidade, e obtive uma bolsa de estudos do Senac para pesquisar sobre a obra de Pierre Verger.

Ainda que eu nunca tivesse me aprofundado na questão indígena, sempre tive uma grande curiosidade pelo assunto, ainda mais no que se relaciona à sua representação visual. Por isso decidi apresentar esse projeto de pesquisa para o Prêmio Marc Ferrez de Fotografia, da Funarte, para desenvolver esse estudo, que finalmente começou a ser realizado em janeiro deste ano.

Quais foram as maiores dificuldades para se fazer o mapeamento?

Certamente, a maior dificuldade foi conseguir lidar com a burocracia de algumas instituições arquivísticas para a disponibilização das imagens. Alguns acervos públicos, que guardam fotografias do século XIX, demoraram até seis meses para autorizar a liberação, o que é totalmente injustificado em se tratando de imagens que já estavam digitalizadas e que, além disso, estão em domínio público. Em outros casos, o alto valor cobrado pela cessão, mesmo sendo para um projeto de pesquisa como esse, que não possui fins comerciais, inviabilizou a inclusão de algumas imagens na forma em que eu gostaria. No outro extremo, o Instituto Moreira Salles foi um exemplo de eficiência. Sua equipe logo se prontificou a ajudar na pesquisa e a liberação das imagens foi quase imediata.

 

Claudia Andujar: Yanomami (c.1971-1977). Amazonas (Acervo do autor)
Claudia Andujar: Yanomami (c.1971-1977). Amazonas (Acervo do autor)

Quais as descobertas mais preciosas?

Antes de começar essa pesquisa, eu mesmo não conhecia a fundo a iconografia dos povos indígenas. É um recorte temático na história da fotografia brasileira muito pouco estudado, com pouquíssimas referências bibliográficas disponíveis. Eu tinha certa familiaridade com a obra dos fotógrafos mais contemporâneos, mas não conhecia os autores do século XIX e do começo do XX.

Em relação aos autores menos conhecidos, vale a pena destacar as obras de Mario Baldi e Jesco von Puttkamer, que possuem um acervo imenso que carece de pesquisa e divulgação. Podemos também destacar Vherá Poty, que, juntamente com Danilo Christidis, realizou um dos poucos trabalhos fotográficos feitos por um indígena de que se tem notícia.

E. Thiesson: Botocudo (1844). Daguerreótipo (Acervo Musée du Quai Branly)
E. Thiesson: Botocudo (1844). Daguerreótipo (Acervo Musée du Quai Branly)

Que fotógrafos você destaca mais nesse mapeamento?

As primeiras imagens de índios brasileiros de que se tem notícia foram feitas pelo francês E.Thiesson, em 1844, poucos anos após Louis Daguerre conseguir a patente pela “descoberta” da fotografia. São cinco imagens que valem pelo ineditismo. Ao longo do século XIX, as fotografias se repetem em termos de linguagem, já que estão atreladas à mentalidade positivista e eurocêntrica da época. São, em geral, imagens que exaltam a imagem de um índio ora romântico e dócil, ora selvagem e exótico, muitas delas realizadas em estúdios fotográficos. As imagens de Walter Garbe fogem um pouco desse perfil, ao mostrar índios em seu habitat natural realizando atividades do cotidiano, mas em poses claramente encenadas.

Na primeira metade do século XX, temos a Comissão Rondon e os fotógrafos da revista O Cruzeiro, como Jean Manzon, José Medeiros e Henri Ballot, que difundiam a imagem de um índio naturalmente selvagem, mas passível de ser civilizado e integrado à sociedade brasileira.

A partir dos anos 1970, temos um grande número de autores que se firmaram no cenário fotográfico nacional como fotojornalistas, e que logo começaram a desenvolver projetos de documentação mais elaborados, como, por exemplo, Maureen Bisilliat, Marcos Santilli, Nair Benedicto, Rosa Gauditano e Rogério Assis. O caso mais emblemático de todos é o da Claudia Andujar, que, além de revolucionar essa iconografia em termos visuais, envolveu-se pessoalmente com a causa indígena, especialmente no que se refere à luta pelas terras e pelos direitos dos Yanomami.

 

José Medeiros: Índios Calapalo (1949). Mato Grosso (Acervo IMS)
José Medeiros: Índios Calapalo (1949). Mato Grosso (Acervo IMS)

O que você encontrou no acervo do IMS?

O IMS possui em seu acervo muitas imagens de índios do século XIX, produzidas por autores como Albert Frisch, Marc Ferrez, Felipe Augusto Fidanza e Hermann Meyer. O mais importante, entretanto, são as obras de José Medeiros e Henri Ballot, que trabalharam juntos na revista O Cruzeiro, e as fotografias produzidas por Maureen Bisilliat sobre o Parque Indígena do Xingu.

 

Mario Baldi: Índio Karajá (1938). (Acervo Weltmuseum Wien)
Mario Baldi: Índio Karajá (1938). (Acervo Weltmuseum Wien)

Quais são os próximos passos quanto à atualização do site e a outras ideias ligadas ao projeto?

Em função do curto período de tempo para a execução desse projeto e da grande quantidade de fotógrafos que já trabalharam com a questão indígena, alguns autores ficaram de fora no primeiro momento. Alguns nomes serão incorporados nas próximas semanas, como Luiz de Castro Faria e Sylvia Caiuby Novaes (antropólogos); Harald Schulz e Heinz Förthmann (fotógrafos que trabalharam no Serviço de Proteção aos Índios), e Vherá Poty e Danilo Christidis (uma dupla formada por um gaúcho e um índio guarani que estão produzindo um livro sobre os Guarani Mbyá).

Mas deve-se frisar que a intenção do estudo não é incluir rigorosamente todos os autores que já trabalharam com a questão indígena. Tampouco se trata de um estudo analítico exaustivo. O objetivo é apresentar para o público em geral um panorama sobre a representação do índio na fotografia brasileira. Por outro lado, espera-se que o conteúdo disponibilizado também sirva como fonte de informação para o público mais especializado – fotógrafos, pesquisadores, historiadores, antropólogos e às próprias comunidades indígenas. Em suma, todos aqueles que desejem tomar esse estudo como um ponto de partida para pesquisas mais aprofundadas.

Além de fazer o mapeamento, você também fotografou para o projeto?

Não. Esse projeto ganhou o XII Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia na categoria de produção crítica, e não envolvia uma produção fotográfica inédita.

 

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