Nota Técnica: Coletivo de Educação da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Brasil – CONAQ

12/11/2019

Fonte:http://conaq.org.br/noticias/nota-tecnica-coletivo-de-educacao-da-coordenacao-nacional-das-comunidades-negras-rurais-quilombolas-do-brasil-conaq/

INTRODUÇÃO

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ – CONAQ, é uma organização de âmbito nacional com objetivo de representar e defender os direitos das comunidades quilombolas. É composta por coordenações, federações, comissões e conselhos estaduais, que por sua vez são formadas por associações locais, que têm como pauta principal a defesa dos quilombos.

A CONAQ, desde sua fundação em 1996, reconhece a urgência de fortalecer as organizações quilombolas para que se mantenham na resistência, mobilizadas e articuladas na luta em defesa dos direitos dos quilombos e quilombolas no Brasil.

Com o reconhecimento dos quilombos como sujeitos de direitos aos territórios (art.68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) e a garantia de suas práticas, saberes e fazeres (art. 215 e 216) pela Constituição Federal de 1988. E considerando que a Lei 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira  LDB seja um avanço para a efetivação desses direitos e por representar parte dos interesses da sociedade em geral, as questões ligadas às histórias africana e afro-brasileira e indígena ficaram difusas na LDB de 1996. Em 2003, por pressão do movimento Negro Brasileiro, e através da Lei 10.639/03, foram acrescidos os Arts. 26 – A, 79 – A e 79 – B na Lei 9394/96. Tais mudanças incluíram a história africana e afro-brasileira nos currículos da educação básica. Em 2008, novas mudanças na LDB ocorreram por meio da Lei 11.645/08 para incluir a história indígena. Desde então, os estados e municípios estão obrigados a adequar suas matrizes curriculares à LDB.

E, em função da ausência de debate sobre educação nos quilombos, na Conferência Nacional da Educação Básica – CONAE, em 2010, a CONAQ, mobilizou seus delegados e delegadas, fazendo com que a Educação Escolar Quilombola se transformasse em modalidade de ensino da educação básica brasileira.

Portanto, a Educação escolar quilombola destina-se ao atendimento das populações quilombolas rurais e urbanas em suas mais variadas formas de produção cultural, social, política

e econômica e organiza essencialmente o ensino nas instituições educacionais com base na memória coletiva, nas línguas reminiscentes, dos marcos civilizatórios, nas práticas culturais, nas tecnologias e formas de produção do trabalho, nos acervos e repertórios orais e nas diversas manifestações que conformam o patrimônio cultural e a territorialidade das comunidades quilombolas. E deve ser ofertada por estabelecimentos de ensino localizados em comunidades reconhecidas como quilombolas pelos órgãos públicos responsáveis, sejam elas rurais ou urbanas, bem como por estabelecimentos de ensino próximos a essas comunidades e que recebem parte significativa dos estudantes oriundos dos territórios quilombolas, garantindo aos estudantes o direito de se apropriar dos conhecimentos tradicionais e das suas formas de produção de modo a contribuir para o seu reconhecimento, valorização e continuidade.

Cabe às diversas instâncias do poder público e seus respectivos sistemas de ensino garantir o apoio técnico-pedagógico à comunidade escolar quilombola; os recursos didáticos, pedagógicos, tecnológicos, culturais e literários que atendam às especificidades das comunidades quilombolas. Uma vez que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, se estrutura a partir das leis educacionais vigentes (CF/88 e LDB) faz-se necessário que se mobilize esforços para cumpri-la conforme estabelecidas. Estas diretrizes com base nas legislações pertinentes, tem por objetivos orientar os sistemas de ensino na elaboração, desenvolvimento e avaliação de seus projetos educativos; orientar os processos de construção de instrumentos normativos visando garantir a Educação Escolar Quilombola, sendo respeitadas as suas especificidades, considerando as práticas socioculturais, políticas e econômicas das comunidades quilombolas, bem como os seus processos próprios de ensino-aprendizagem e as suas formas de produção e de conhecimento tecnológico. E, também, assegurar que o modelo de organização e gestão considerem o direito de consulta e a participação da comunidade e suas lideranças; com o efeito de zelar pela garantia do direito à Educação Escolar Quilombola respeitando a história, o território, a memória, a ancestralidade e os conhecimentos tradicionais. As competências para a efetivação da política educacional para os quilombolas pela União, Estados e Municípios, estão contidas no artigo 2º da Resolução 08 do CNE, de 20 de novembro de 2012.

Dentre os princípios que devem reger a Educação Escolar Quilombola nas suas práticas e ações político-pedagógicas, destaca-se o direito à igualdade, liberdade, diversidade e pluralidade; o direito à educação pública, gratuita e de qualidade; o respeito e reconhecimento da história e da cultura afro-brasileira e suas diversas manifestações como elementos estruturantes do processo civilizatório nacional; valorização da diversidade étnico-racial. E, ainda, do reconhecimento dos quilombolas como povos ou comunidades tradicionais; reconhecimento e respeito da história dos quilombos, dos espaços e dos tempos nos quais as crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos quilombolas aprendem e se educam; Não obstante, o direito dos estudantes, dos profissionais da educação e da comunidade de se apropriarem dos conhecimentos tradicionais e das formas de produção das comunidades quilombolas de modo a contribuir para o seu reconhecimento, valorização e continuidade, dentre tantos outros princípios, não menos importantes, presentes na Resolução 08/2012.

As ações garantidoras dos princípios da Educação Escolar Quilombola devem ser, dentre outras, a construção de escolas públicas em territórios quilombolas, por parte do poder público, sem prejuízo da ação de ONG e outras instituições comunitárias (legitimadas e parceiras), compostas por professores e gestores quilombolas, de maneira que a gestão seja efetivamente democrática com a participação das comunidades quilombolas e suas lideranças. Para além disso, garantir a participação dos quilombolas por meio de suas representações próprias em todos os

órgãos e espaços deliberativos, consultivos e de monitoramento da política pública e demais temas de seu interesse imediato. As ações também devem visar garantir o protagonismo dos estudantes quilombolas nos processos político-pedagógicos em todas as etapas e modalidades, tais ações demandam a implementação de um currículo escolar aberto, flexível e de caráter interdisciplinar, elaborado de modo a articular o conhecimento escolar e os conhecimentos construídos pelas comunidades quilombolas e, ainda, a implementação de um projeto político-pedagógico que considere as especificidades históricas, culturais, sociais, políticas, econômicas e identitárias das comunidades quilombolas. Os processos educativos devem se pautar pelo/no respeito às tradições e ao patrimônio cultural dos povos quilombolas.

Definição De Escola Quilombola:

Art. 9º A Educação Escolar Quilombola compreende: I – Escolas quilombolas;

II – Escolas que atendem estudantes oriundos de territórios quilombolas.

Parágrafo Único Entende-se por escola quilombola aquela localizada em território quilombola.

Como se percebe, as escolas localizadas nos quilombos são escolas quilombolas, no entanto, para que se efetive uma Educação Escolar Quilombola nestes territórios, cabe aos gestores e gestoras escolares estaduais e municipais, atuarem no sentido de garantir as condições necessárias para o seu funcionamento. Algumas ações são necessárias, tais como: informar no censo escolar; investir num processo de formação que permita ter a comunidade como lócus dessa formação, suas lutas, manifestações e valores culturais e ancestrais; estabelecer contínuo diálogo com as lideranças quilombolas no sentido de trazer para a escola, em forma de currículo vivo a vida da comunidade.

Do Calendário Escolar Da Educação Escolar Quilombola (Artigo 11 Resolução 08 Do CNE, De 20 De Novembro De 2012)

A LDB estabelece como um direito a elaboração e vivência do calendário diferenciado, construído a partir da realidade de cada comunidade. Portanto, é um direito das comunidades quilombolas e recomenda-se que o calendário seja feito em diálogo com professoras e professores, estudantes e lideranças quilombolas, levando em conta a cultura e o jeito de se organizar de cada comunidade, sem deixar de assegurar os dias letivos exigidos as estudantes e os estudantes.

Projeto Político Pedagógico

O projeto político-pedagógico se constitui como sendo a principal ferramenta para a educação escolar quilombola. Por isso, ele precisa deixar de ser uma peça fictícia e passe a ser um instrumento que, uma vez elaborado pela grande maioria dos quilombolas de cada quilombo, represente assim os seus interesses. O projeto político pedagógico precisa estar calcado nos interesses dos quilombolas. É mito achar que quem não está na escola ou nunca foi nela não sabe ou não deve pensar a escola e a educação, conforme artigo 32 da Resolução 08 do CNE, de 20 de novembro de 2012.

RECOMENDAÇÕES

Diante do previsto em Lei, a CONAQ recomenda aos governos estaduais e municipais que observem na íntegra a legislação aqui apresentada em partes, bem como se esforcem para

atendê-la sempre em diálogo com as lideranças das comunidades quilombolas, garantindo o seu protagonismo e participação em todo o processo e indica:

1. Que os Estados e Municípios invistam, fortaleçam e implementem a Resolução do CNE nº 08 de 20 de novembro de 2012;

2. Que Estados e Municípios informem nos censos escolares, a presença das escolas localizadas nos quilombos, bem como os estudantes, professoras e professores; acrescentem no ato da matrícula a pergunta para o responsável dos estudantes “se ele se considera ou não quilombola”.

3. Que os Estados e Municípios construam espaços de diálogo permanente (comissões, fóruns, conselhos ou similares) nos estados e municípios para a implementação da educação escolar quilombola em parceria com as associações, comissões e federações locais, regionais e estaduais;

4. Que Estados e Municípios invistam na formação e na contratação de professoras e professores quilombolas, como orienta a lei;

5. Que os estados e municípios que ainda não elaboraram as suas diretrizes para a educação escolar quilombola, buscar fazê-las atendendo o previsto em lei;

6. Que Estados e Municípios construam projetos de leis para serem aprovados pelas Câmaras Municipais e Assembleias Estaduais, criando a carreira docente de professora e professor quilombola nos estados e municípios;

7. Que os Estados e Municípios impulsionem parcerias com as universidades para a elaboração de cursos de formação e a constante produção do conhecimento nas escolas quilombolas, sempre com a participação de professoras e professores, lideranças quilombolas e estudantes;

8. Que os Estados e Municípios estimulem e apoiar a elaboração e publicação de materiais didáticos específicos, priorizando as produções feitas por estudantes, professores e professoras, pesquisadores e pesquisadoras quilombolas, bem como as necessárias mudanças ao longo dos anos;

9. Que no calendário escolar acrescentar a data de criação da CONAQ para que todas/os as/os sujeitos quilombolas tomem conhecimento da história de construção da instituição que os representa nacionalmente e as/os atores importantes para a sua criação; acrescentar a data de criação do artigo 68 ADCT da Constituição Brasileira; acrescentar a data de sancionamento do Decreto nº 4887/03, sua história e importância;

10 Que Estados e Municípios invistam, valorizem e estimulem a atuação e participação dos mestres e mestras de saberes tradicionais dos quilombos, respeitando e valorizando as trocas de conhecimentos dentro e fora das escolas, como forma de preservação dos saberes ancestrais;

11. Que Estados e Municípios invistam na infraestrutura das escolas quilombolas; construção de hortas e jardins, teatros, ateliês de arte, laboratórios de ciências e tecnologia, repensar o rearranjo das salas de aula para uma ordenação circular que descentralize a figura do professor e coloque as estudantes e os estudantes em posição horizontal, de igualdade.

12. Que os Estados e Municípios, usem como requisito para contratação de professoras e professors quilombolas, o instrumeto da Cartas de Anuência, devendo abrir editais específicos para a Etapa Educação Escolar Quilombola.

O Brasil é quilombola. Nenhum quilombo a menos”, 12 de Novembro, de 2019.

COLETIVO DE EDUCAÇÃO DA CONAQ

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