JEQUITINHONHA, TERRITÓRIO DE VIDA!

Festivale-Fazendo História.

Foto: Geralda Chaves Soares

O evento Festivale teve inicio durante os anos da ditadura militar. Vivíamos no Vale ainda sob o domínio das famílias tradicionais, numa região marcada pelo analfabetismo, pelo esquecimento e pela exclusão. O desemprego, as secas periódicas, e os inumeráveis surtos de sarampo, varicela se aliavam á desnutrição e ás verminoses, ceifando vida da população.Muitos jovens dessa região, que não viam aqui perspectivas de futuro , buscaram soluções das mais diversas formas.

Entre eles não podemos esquecer Idalisio Soares Aranha, guerrilheiro, executado pelo militares na guerrilha do Araguaia, em Goiás e era natural do município Rubim.

O Pe. Felipe Soares Aranha, educador, foi pessoa marcante por suas posições políticas e atuação neste período. Faleceu em Belo Horizonte, tendo atuado em várias organizações, com práticas freirianas em busca de uma Educação Libertadora.Ainda não temos no Vale quem tenha se dedicado a  tornar visíveis a história deles e de outros que deram suas vidas pelo nosso país.

A juventude deste tempo sonhava, e sonhava alto, porque a realidade era tão cruel que as ações populistas da Ditadura não conseguiam esconder.

Estudei em Belo Horizonte e tive que trabalhar muito para pagar a PUC, porque não havia vagas e fiquei como aluno excedente na UFMG. Neste tempo não havia cotas. Morávamos em repúblicas sempre vigiadas pelos órgãos de repressão. de olho nos estudantes subversivos, na opinião deles. Atuei no movimento estudantil ,nas atividades do DCE-PUC(3).

Em 1993 retornei a Araçuaí, já com uma intensa atividade na luta pelos Direitos dos Povos Originários, Povos Indígenas.

Havia participado da luta do Povo Maxakali, no Vale do Mucuri, na Diocese de Teófilo Otoni, por 8 anos, através do CIMI – (Conselho Indigenista Missionário órgão anexo á CNBB) e posteriormente em BH, no CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva). Foram inúmeras idas e vindas para o Vale ate este retorno. E retornei  quando a Diocese de Araçuaí doou para famílias Pankararu  60 hectares de Terra.Uma outra experiência marcante ate este momento.

E AS OUTRAS RAÍZES

Outros tantos jovens saíram do Vale, em busca de trabalho, de estudo vivendo naquele clima que o Romano descreve ir para a velha Rodoviária ou para o ponto de ônibus de abraços e emoções, de sofrimento de familiares em lagrimas. Entravam num velho e poeirento ônibus que sacolejava  do Jequitinhonha a Belo Horizonte carregando as saudades, separações e distâncias que pareciam nunca ter fim.E…não tinha ar condicionado!!!!O próximo passo era voltar correndo pra cá nas férias…Respirar,tomar banho no rio,participar de festas,ir á Igreja,dormir até tarde…uma excelente maravilha…a que nada se compara!

Mas a cidade grande não os acolhia como os braços abertos do Vale. O falar arrastado, engolindo o final das palavras, os costumes, os gostos… enfim uma CULTURA se chocava com a  outra…considerada como única e certa.Estes jovens recebiam o APELIDO pejorativo de “ARASSUINOS”…O que bem traduzia os pensamentos dos que com eles conviviam.Se com viviam!

Eram do Vale? Puxa o Vale da Miséria, de maior índice de analbetismo, do IDH mais baixo do país… dali não podia mesmo sair coisa boa.Mas os filhos das famílias tradicionais voltavam com diploma na mão…engenheiros,médicos,juízes,professores,advogados! Parecia que não eram originários deste País chamado Jequitinhonha.Mas foi exatamente deste grupo de jovens sonhadores que veio a iniciativa de rebeldia.

o! O Vale não é deste jeito! Lá tem muita coisa boa. Tem gente maravilhosa que conheço. Tem batuque, rodas, folias de reis, cantores, artesãos, e artesãs, benzedeiras… Uai,gente e minha mãe mora lá…

E assim, os primeiros passos FORAM EM ITAOBIM!

 FESTIVALE EM ARAÇUAI

Tenho lindas lembranças de um Festivale que marcou Araçuaí. A cidade não cabia de gente e os alojamentos lotados cheiravam á Flor de Laranjeira ,de tanta beleza!

As ruas de repente se tornaram palco e passarela. Por elas desfilavam grupos de dança com suas saias rodadas e floridas…mulheres com turbantes,colares,sandálias de couro feitas na região,traziam  de volta o orgulho do gingado ancestral.

O Tum-tum dos Tambores faziam o coração bater forte. Tamborzeros,Reis e Rainhas com seu cortejo,cantores,artistas,artesão afluíam de todo Vale para esta grande Celebração.

G         ente assustada saia á janela, com curiosidade primeiro e depois com um riso largo de satisfação se reconhecendo… e devagarzinho ia abrindo a porta  e saindo pra Praça,se juntando á multidão.

O Orgulho recalcado brotava de dentro das senzalas interiores. O que foi forçosamente escondido,marginalizado,deixava de ser falado em voz baixa no recinto das casas,nas pontas de rua,se espalhava indo do riso á risada,apoio,consentimento. Por todo canto da cidade borbulhava o que era considerado morto, inexistente. E  nas Praças,nos shows,nos Teatros, a cantoria,a música,a dança fazia  uma irmandade só,  brotar.Afinal todos sem distinção entre dominantes e submetidos ali estavam na Praça.Estes últimos…de fato…trazendo pra luz do dia o direito de ser diferente,de ser sujeito.De ter voz!De ter Identidade própria!

No meio da multidão, eu feliz, imaginava se isto ocorresse em todo o Vale!Acontecia aqui algo que só o povo entendia. Frei Xico, Lira de pessoa em pessoa… ia  colocando tijolo nesta construção de baixo para cima,explodindo em cantorias no Coral Trovadores do Vale,na voz de inúmeros artistas que cantavam e que a multidão  repetia extasiada…

Este Festivale marcou nossa história.

MARCANTE: O FESTIVALE EM JORDÂNIA, no baixo Jequitinhonha.

Neste Festivale eu não estava só como participante. Fui convidada para participar de uma roda de conversa onde estaria  uma pessoa muito especial,o Marco Morel,Ele fez uma tese de mestrado sobre A Saga dos Botocudos,Povos Indígenas cuja RESISTÊNCIA levou  á declaração de guerra,e á militarização de nossa região e do Rio Doce para exterminá-los. Fui no ônibus com representantes indígenas Pankararu, de Araçuaí, e aonde também iam o Coral Trovadores do Vale, ícone desta longa trajetória do Jequitinhonha.

Destaco este Festivale por causa da importância de iniciarmos a discussão, que já vinha fluindo nalguns momentos no Vale, sobre a historia indígena da região, sobre os povos indígenas. Ate então o foco era a Cultura Popular com todo o trabalho de Lira e Frei Xico,que ajudavam o Povo a  falar de si.Mas esta Cultura de Resistência  tinha importantes raízes,tinha heróis e heroínas.Tinha registros e não era conhecida.Tinha raízes Africanas.Tinha  Raízes várias.Estava presente o historiador Cezar Moreno,natural do Vale que também escrevia sobre a Guerra Justa  e o Cacique Ivan Pankararu , Watori Pankararu,criança ainda.Pouco se falava de indígenas no Vale a não ser pequenas lembranças da violência extrema com mulheres,com antepassados,com crianças:

-Minha vó foi pega no laço. Era muito brava

-Minha avo foi pega com dente de cachorro. Foi amansada.Virou gente.

-Meu bisavô foi pego criança ainda e foi criado numa fazenda… foi comprado.

Mas agora no Vale se falava de Povos Vivos, lutando por direitos como os Krenak, os Maxakali, os Pankararu e. os Aranã no Jequitinhonha  já dados como extintos.Uma reviravolta.Um nó na cabeça de muitas pessoas.Ali ouvimos muitos depoimentos incríveis.

.O TEMPO PASSA e a história se enriquece!  JEQUITINHONHA COMO TERRITÓRIO ÚNICO!

A História do Território do Jequitinhonha não é muito conhecida. Por isto penso que as escolas deviam ter um capitulo especial sobre esta nossa geografia atual.No século XVIII,ate 1757 ,a posse administrativa do que era chamado Termo de Minas Novas,era da Bahia.Em 1742 ou 1749 as minas do Arassuahy passarama fazer parte da Comarca de Jacobina-Bahia.Foi só em 1757 que passaram  definitivamente a Capitania das Minas Gerais e á Comarca do Serro Frio.

No entanto na cabeça da população, dos canoeiros, em grande parte, indígenas Maxakali, o Vale ia do Serro até Belmonte. As historias das cheias monumentais do Jequitinhonha,derrubando barrancas,carregando árvores..eram contadas dia a dia.

Bem mais tarde,quando se fundam os Quartéis,por degredados militares, vindos das guerras do sul e aqui exilados.

Declarada a guerra aos povos Borun, o militar Julião Taborda Fernandes Leão é nomeado como comandante da guerra no Jequitinhonha. Há relatos de  viajantes sobre este trecho .Uma geração de canoeiros repassaram os relatos vivos deste período e que se encontram nos vários Arquivos Públicos de Minas e Bahia..

O FESTIVALE EM BELMONTE em 2019, nos fez relembrar suas origens. Também agora vivemos num regime repressivo,de anulação de direitos desmonte de politicas públicas e de instâncias do Estado.

Sua realização se deveu, de novo, á garra da Fecaje e ao apoio das prefeituras tanto de Minas como da Prefeitura de Belmonte, movimentos culturais, apoiadores. O Governo do Estado de Minas, de triste lembrança, inviabilizava o Festivale, retendo a verba destinada pelo Estado para sua realização anual.

Havia até questionamentos do por que o Festivale numa cidade em outro Estado… isso  porque  já incorporamos a ideia da divisão geográfica  estabelecida.

E a gente se perguntava:

-Mas, por aqui, na cabeça, nas histórias do Povo, Belmonte era sempre nossa referência. Porque será que  é separada do Vale?

-Lembramos da luta contra a destruição da Cachoeira do Salto, presente em nossas historias, nas historias de quilombos, de trocas entre povos indígenas, de idas e vindas deles de La pra cá… pucha! Era outra a geografia.

-Pois é, dizíamos, mas hoje a gente nem vai em Belmonte ver o mar. À gente vai é em Porto Seguro… Ninguém mais  por aqui fala em Belmonte…só os antigos…

-O que será que aconteceu?Como é lá?

No bojo desta discussão havia também informação sobre a presença de aldeias Tupinambá em Belmonte. Começamos a pensar na possibilidade de  conhecê-los,de criar laços e de solidarizar com a luta deles,cujas aldeias estavam na beira do Jequitinhonha.

A FECAJE convidou os indígenas daqui para participarem do Festivale. Fizemos uma proposta de levar a exposição que temos da Historia Indígena do Vale. Fotos,cartazes etc etc.E num belo dia fomos  para Itaobim,eu e Wakirê,da Aldeia Cinta Vermelha Jundiba,uma jovem indígena,participante do Levante da juventude em Araçuaí e estudante no IFNMG. Dormimos em Itaobim e dia seguinte pegamos carona no carro da equipe da Fecaje (Lia, Juvenal,), mas foram outros em outro carro com o Presidente da Fecaje. O objetivo era  participar de uma reunião com a Secretaria de Cultura de Belmonte.Esta reunião se realizou na casa do Secretario de Cultura e com muita garra foi decidido que com verba do Estado ou não o FESTIVALE aconteceria!

Wakirê e eu tínhamos decidido permanecer em Belmonte, ver questão de alojamento para os indígenas, pesquisar um pouco sobre a historia local e visitar a aldeia Tupinambá. Tínhamos feito vários contatos.

Josino Medina nos indicou para procurar o Professor Alberto e assim ele nos contou um pouco da historia de Belmonte e região, nos indicou a Biblioteca Municipal para pesquisar, e nos levou a uma pousada onde iríamos ficar viajando dia seguinte para Eunápolis. De lá iríamos de ônibus até o povoado de Boca do Córrego onde os indígenas iriam nos esperar.

Fizemos todas estas atividades.

O professor Alberto nos levou ate a foz do Jequitinhonha. e  molhamos nossa cabeça e os pés nas águas  sagradas do RIO GRANDE DE BELMONTE,tão falado pelos canoeiros e agora tão assoreado e violentado pela Hidrelétrica da Cachoeira do ex salto Grande e pela produção de uma fábrica de celulose.

Na Biblioteca lemos o livro de um poeta de Belmonte Solsígenes Costa (Iararuna), importantíssimo para conhecermos a história local e regional, entre outros. Escravidão,comercio,navios,indígenas,escravos,cacau e agora o eucalipto….tanta historia!fechando o  nosso roteiro.

Na verdade estávamos no mundo… descobrindo pistas para entender e fazer ligações sobre um  Vale dividido em partes.

Levávamos um resumo de entrevistas e fotos que fiz numa visita a esta região juntamente com Ivan Pankararu e com a equipe do Cimi leste quando estava se intensificando a luta do MST e dos indígenas que tinham seus territórios invadidos.

.Eu tinha na cabeça alguns nomes tanto de indígenas como dos invasores de suas terras e sabia que a luta ali era muito violenta.

Mas , nestes desencontros todos, soubemos que a equipe do Cimi tinha sede em Itabuna… e ai ,fomos para a casa do filho do Prof. Alberto,em Eunápolis.Dia seguinte…ônibus para Boca do Córrego.Kirê ia fazendo o controle no Google maps…A gente ia se localizando neste mundo.Será que estamos indo pro céu?O ônibus sobe,sobe,sobe morro, estrada, buracos… ate que a noitinha chegamos em Boca do Córrego onde   indígenas Tupinambá nos esperavam.Foram dias surpreendente,cheios de alegria,de conversas.De descobertas.Vimos o Rio Grande de Belmonte,realmente grandioso,uma lagoa de 3 kilômetros onde andamos de barco,vimos uma,nunca vista-plantação de cacau-e o trabalho árduo dos e das Tupinamba,para cultivar e comercializar sob o cerco dos que os oprime.Contaram que uma das safras foi  tomada deles com a explicação de que eles a tinham roubado porque?Porque a terra não era deles, Mas a luta continuava. Vimos também o couro de uma Sucuri de 6 metros…alem de ouvir historias da presença delas  na área da lagoa.Visitamos o sitio arqueológico onde foram encontradas urnas funerárias dos antepassados Tupinambá.

A rede elétrica estava paralisada. A Cacique ameaçada de morte,escoltada por policiais para sair da área.Vimos a pequena escola e os escombros da casa de Cultura que havia sido incendiada por estranhos…E no meio disso tudo a alegria de Sêo Carlos,suas risadas ,suas histórias e seu jeito de zombar da situação,dizia:

-Ela (Cacica Cátia) sai de carro, cheio de policia… Agora eu vou junto!Não deixo ir só. Eu vou confiar em quem no meio desta guerra?

E ria, com aquele jeitão de pessoa que brinca, mas não tá de brincadeira…

E quando entregamos as entrevistas, a ficha caiu e vieram abraços, mais risadas e perguntas:

-Então era você a mulher que o povo falava quando começamos a luta?

Falamos da ideia de um encontro dos Tupinambá com os indígenas Pankararu e Pataxó de Araçuaí e Cel. Murta, em Belmonte; falamos do Festivale. Grande preocupação em saírem da área devido ao conflito.

E assim retornamos para Araçuaí onde socializamos a nossa fantástica viagem. De hora em diante Kirê pode dizer que conhece um povo que mora na mata Atlântica,cultiva cacau ,convive com sucuris e…na beira do Jequitinhonha!

Só o Festivale mesmo pra gente ver mais este milagre!

INDO PARA BELMONTE!

Fomos das aldeias daqui 17 pessoas. Pankararu,Pataxó,eu e o motorista.Duas indígenas foram no ônibus dos artesãos.Os/as indígenas levavam muito artesanato.Eu dormia e acordava com os Pankararu cantando Tore….mas chegamos lá.

A cidade calma, o barulhinho das ondas, o vai e em das pessoas pra ver (e pra muitos conhecer) o MAR, ver a foz do Jequitinhonha… relembrar histórias ouvidas.

As oficinas começaram.

E de repente um outro Jequitinhonha aparece.

Nas rodas de conversa sobre Políticas Públicas são relatados vários problemas vivido ali pelos Povos de Terreiro. Este,de fato não é um grupo muito presente nas discussões do Festivale. A Cultura afro sim. Afinal já existe a COQUIVALE e mais de 100 Quilombos com certificação da Fundação Palmares,com organizações,discussões políticas,assessorias qualificadas…

Mas Terreiros e que se autodenominam POVOS DE TERREIRO?Posso estar enganada, mas esta face do Vale não era alvo das rodas conversas…

Nos grupos se falou da discriminação que as Religiões sofrem. Por exemplo:-precisam comprar panos brancos para confeccionarem as roupas que vestem nas cerimônias religiosas… mas tem que ir fora comprar pois aqui não vendem.

-Também para fazerem as roupas, tem que ter costureira de fora.

-precisam comprar alguns produtos para as cerimônias. Idem.

-apesar da grande frequência há intolerância religiosa como se fossem pessoas preparadas para fazer o mal.

MAS ALÈM DESTE DETALHE, A SURPRÊSA FOI AINDA MAIOR QUANDO SOUBEMOS QUE BELMONTE TEM 10 TERREIROS, EM PLENA ATIVIDADE.

Refletimos sobre a importância desta população de Terreiro num município de 20.000 habitantes atualmente.

Concluímos que esta resistência histórica é a força que mantem este povo vivo e com sua fé. A intolerância religiosa que se acentua no Brasil inteiro é uma doença que quer destruir a Diversidade de Povos e línguas que fazem a beleza do país. Vimos que era urgente os movimentos começarem se falar sobre mais este grupo diverso no Vale e que na região mineira são invisibilizados de todas formas. Vimos a importante presença de mulheres nos Terreiros, mas não as encontramos no Fórum das Mulheres do Vale e tudo vinha à tona.

Numa das noites, houve uma apresentação de danças afro do Grupo ERÊ de Belo Horizonte. Foram horas de silêncio, de palmas, de aplausos a cada novo cenário. Ninguém queria sair do salão. Dava pra perguntar de novo:

“QUE PAIS È ESTE?”

Com certeza não era o Brasil dos livros de história…

Durante o Festivale, uma delegação de indígenas e juntos realizamos uma visita solidária ao Terreiro do Taata Jurai, ILÊ AXÉ OSI MUTAKULALEGIN, bem na foz do Jequitinhonha, onde fomos muito bem acolhidos. Ouvimos a historia do Terreiro e conhecemos seu ambiente e as plantas de cura,muitas delas conhecidas do Povo Pankararu.

CONFRATERNIZAÇÃO

À noite já víamos pessoal dos Terreiros mais a vontade e assim saímos com o ERÊ e outros para uma confraternização. A reação veio logo depois. O dono do estabelecimento expulsava aos gritos o pessoal. Pavor. Eram feiticeiros, iam atrapalhar o movimento. Ia chamar a policia…. Ninguém esperava .Pessoal tentou conversar mas na impossibilidade, se afastou e foi pra outro local.

MAS PODIA FICAR ASSIM?NO MEIO DE UM FESTIVALE QUE CELEBRAVA O VALE A VIDA, O VERSO E A VIOLA?E NESTE MOMENTO HISTÒRICO EM QUE AS RELIGIÔES AFRO ESTÃO SENDO ATACADAS, TEMPLOS APPEDREJADOS E QUEIMADOS, Mães e Pais de Santo criminalizados?…

O DIA SEGUINTE

Belmonte nunca tinha vivido um momento tão bonito. Realizamos a Marcha contra o Racismo e a Intolerância Religiosa. Saindo dos Terreiros,dos alojamentos ,das pousadas e concentrados frente a secretaria da Fecaje começaram as manifestações.Víamos lindas mulheres negras e homens  com suas roupas rituais de Terreiro,indígenas com suas vestes típicas,com seus adornos,maracás ,jovens,professores,apoiadores,artesãos,grupos de teatro,de percussão,de capoeira,artesãos,artesãs de todo o Vale assistiram o primeiro canto e dança ritual do Povo Pankararu com suas pinturas próprias,depois o Povo de Terreiro,falas emocionadas e dai a caminhada até a Prefeitura local indo depois em direção a beira do Rio Jequitinhonha. Num das paradas mais depoimentos, mas denúncias do racismo e a fala solidária do Secretario de Cultura, assim como do Prefeito:

-Este incidente de ontem não representa o pensamento da Administração Municipal e nem da população de Belmonte. Trata-se de um posicionamento de uma pessoa apenas.

Vocês são bem-vindos a Belmonte. Podem vir que os receberemos de braços abertos hoje e todas as vezes que quiserem vir.Nós somos todos o Jequitinhonha!

Numa das noites, diante de tantos acontecimentos, indígenas e MAB e não indígenas nos reunimos e fizemos a CARTA DO FESTIVALE, onde falamos desta necessidade de passarmos a ver o vale como TERRITORIO DE VIDA, TERRITORIO ÚNICO DO SERRO Á BELMONTE!

Para surpresa o 37º Festivale seria realizado no SERRO, bem na nascente do RIO. Entregamos  a Carta á SECRETARIA da FECAJE.

A CAMINHADA CONTINUA…

No encerramento do Festivale nos concentramos de novo na praça do artesanato e começam as apresentações de cada grupo, numa demonstração de beleza e radicalidade. De Força espiritual. E de Vida. De ancestralidades.

Foram entregues vários troféus do Festivale neste encerramento.

Cansaço extremo de todos, sol quente demais, mas uma alegria sem fim depois de uma semana de muito aprendizado, de muita partilha.

ENCERRAMENTO COM CHAVE DE OURO:

Por ultimo o Secretario de Cultura, Herculano convida uma Senhora que estava no palco para RECEBER SEU TROFÈU E FAZ UM DISCURSO EMOCIONANTE:

´-Esta é D. Senhorinha. Guardiã do Terreiro.Uma das pessoas mais importantes de Belmonte.

E de hoje em diante ao passarem por ela não a cumprimentem como “D. Senhorinha”.

De hoje em diante ela será para nós MESTRA SENHORINHA!

FORAM MUITOS APLAUSOS PARA AQUELA Senhora pequenina, de saia rodada, colorida, cabelo preso, até então, em silêncio.

Ela recebe e pede o microfone e muitos retornam, pois achavam que tudo estava encerrado.

Ela canta.

Com uma foz incrivelmente forte.

Que paralisou todos presentes.

Parece-me que ela cantou em IORUBÀ, uma língua africana.

Não sei a tradução do seu canto, mas carregamos conosco a sua voz, o seu gesto, a sua simplicidade e presença marcante… Foi tão impactante este final que esqueci de gravar… Queria levar aquela voz para as Mulheres do Vale quando do nosso próximo Fórum!

O FESTIVALE CONTINUANDO…

A CARTA DO FESTIVALE começou a ser divulgada.

Logo depois tivemos importante reunião do Fórum das Entidades e Movimentos Sociais do Vale. Noutro Encontro tivemos a assessoria do Prof. Juarez da UFMG.

Uma das propostas neste Encontro do Fórum foi a de Construirmos um Mapa da Vida, uma Cartografia da Vida. Ou seja, começarmos a mapear e visualizar as lutas no Vale, nossas vitórias, nossos eventos e buscar unificar nossas lutas. Para tanto, recebemos vários textos para começarmos a discutir esta questão de Território, como subsídio para pensarmos esta cartografia, ter assessoria para tanto etc.

ALGUMAS AÇÕES PARA O FUTURO

Neste retorno, comecei a procurar contatos com Povos de Terreiro do Vale e pensávamos em propor um grande encontro de representantes dos mesmos, tendo em vista aprofundar este conhecimento, contatos e luta pelos direitos, pois os Povos de Terreiro estão incluídos na Secretaria Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais juntamente com os Povos Indígenas, Ciganos, Ribeirinhos etc etc. Nesta busca de ampliar nossas Visões sobre os POVOS DO VALE, e para que eles próprios se articulassem foi criado um grupo no Watsapp e estabelecemos contato com a ACBANTU, Associação de defesa da Cultura Banto, que tem sido muito enriquecedora. Esperamos que estas relações se aprofundem depois da pandemia.

Para nossa surpresa são inúmeros os Terreiros no Vale e alguns bastante antigos e conhecidos.

Em Araçuaí, soubemos de ato de intolerância contra o Terreiro de Umbanda Caboclo Agua Branca e juntamente com Lira e Frei Xico, para conhecimento de sua história. È o Terreiro mais antigo de Araçuaí.

O 37º FESTIVALE NO SERRO. -NAS NASCENTES DO  JEQUITINHONHA

O 36°Festivale – 2ª Edição se realizou no SERRO, o que foi outra vitória, com a liberação, depois de muita luta da verba do Estado. Infelizmente não pude ir com os indígenas, embora tenha noticias que o Secretario de Cultura de Belmonte, Herculano, compareceu.

Mas continuo achando que é importante socializarmos estes momentos e definir a continuidade deste processo.

Que venham inúmeros outros FESTIVALE!

 

Araçuaí, Primavera de 2020.

Geralda Soares

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