Memória Indígena Borum Kren na região de Ouro Preto, Minas Gerais

05/10/2022

Alenice Baeta (1) e Gilvander Moreira (2)

Danilo Borum Kren sendo entrevistado em janeiro de 2021.
Santo Antônio do Leite, Ouro Preto. Foto: Alenice Baeta.

 

Danilo Borum Kren, natural do distrito de Santo Antônio do Leite, Ouro Preto, MG, traz consigo lembranças de seus antepassados indígenas e dos preconceitos que sofriam por serem originários, por isto, conta que se apresentavam como pardos em censos anteriores.

Danilo relata que quando criança jamais vai se esquecer do dia em que teve o seu arco e flecha quebrados por uma vizinha idosa que o alertava que seria muito perigoso revelar a sua identidade indígena em uma região que os discriminava.

Com a organização dos povos indígenas em todo o país e a visibilidade que vem sendo dada aos direitos individuais e coletivos indígenas no contexto urbano e fora das aldeias, os Borum Kren vem revelando a sua história de resistência na região de Ouro Preto, bela cidade histórica considerada, em 1980,  patrimônio mundial pela UNESCO. Trata-se assim de mais uma comunidade indígena “ressurgida”[3] em Minas Gerais, composta por dezenas de famílias.

Danilo ouviu de sua avó materna Petrina que eles seriam indígenas bravos, “boticudos”, e que se chamavam “Borum Kren”, ela teria, por sua vez, aprendido sobre a sua ancestralidade com sua mãe, Josefina.  Ao falecerem, Petrina e Josefina foram enterradas no cemitério de Leite (hoje, Santo Antônio do Leite). Já a sua bisavó paterna teria tido um registro que a identificava como “negra da terra”[4], segundo relatos de seus parentes. Ela teria sido enterrada no cemitério de São Julião (hoje, Miguel Burnier), distrito de Ouro Preto.

Danilo aprendeu com os seus parentes mais velhos a produzir vários tipos de instrumentos e artefatos indígenas que confecciona, inclusive pétreos, com muita maestria e precisão, muito raro atualmente. Sabe identificar e recolher matérias-primas da natureza, tais como, madeira, cipós, folhas, resinas para produzir inúmeros tipos de peças. Aprendeu com os pais o nome de várias plantas e suas utilidades alimentares, medicinais e terapêuticas. Muito se aprende ao andar com Danilo pelas matas da região sobre a biodiversidade e a sobrevivência na mesma, pois desde pequeno foi ensinado, caso necessite, a ficar isolado e escondido de eventuais perseguições.

Conta que seus tataravós habitavam lugares cujos limites seriam hoje as Serras do Capanema, Batatás, Itacolomi, Caraça e de Ouro Branco, nos vales do alto rio das Velhas, alto rio Paraopeba e alto rio Doce, cujos locais principais de referência são Bocaina, Leite, Amarantina, Cachoeira do Campo, Maracujá, Acurui, Casa Branca, São Julião, São Gonçalo do Bação, Timbopepa, Antônio Pereira, Santa Rita de Ouro Preto, Soledade, Itatiaia, Mata dos Palmitos e outras localidades outrora conhecidas como Olana, Cumbe e Gangorra.

Danilo foi reconhecido como liderança indígena Borum Kren por meio da Resolução 01/2022 de 13 de maio de 2022 pelo Conselho Municipal de Igualdade Racial (COMPIR/OP). Outro desdobramento da conquista de direitos por parte dessa Comunidade Tradicional Originária foi a acessibilidade às cotas indígenas nas universidades federais.

Recentemente, houve capacitação com agentes de comunidades da área de saúde em Ouro Preto a respeitos dos direitos dos povos indígenas, a autodeclaração e as suas peculiaridades bioculturais. Os Borum Kren vêm também participando de debates sobre o zoneamento municipal para subsidiar o futuro plano diretor de Ouro Preto e a identificação de seus territórios de referência ancestral e histórica.

Durante o último “Abril Indígena” a Comunidade Borum Kren organizou inúmeras atividades, dentre elas, mesas redondas, caminhadas, visitas a museus, oficinas, palestras sobre história, cultura e tecnologia indígena. Algumas das atividades contaram com a presença e apoio de Edson Kaiapó.

Recentemente, receberam a visita da comitiva do Kocar da recém-eleita deputada federal Célia Xakriabá, que pretende estreitar os laços com os Borum Kren de Ouro Preto e região.

Danilo e Bárbara Flores Borum Kren, sua parente, participaram do Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas (ENEI) em Campinas/SP, na Unicamp, como lideranças indígenas. Bárbara, inclusive, foi convidada para compor uma comitiva da Articulação Brasileira da Economia de Francisco e Clara (ABEFC)[5] que esteve recentemente na Itália, para um encontro com o Papa Francisco.

De um ano para cá foram muitas as conquistas da Comunidade Borum Kren, que vem se revelando, fortalecendo e se organizando em nível municipal e estadual, bem como, ganhando visibilidade nacional e internacional.

 

Referências Bibliográficas

 

MONTEIRO, John. Negros da Terra: índios e bandeirantes na origem de São Paulo. São Paulo: Cia das Letras, 1994.

OLIVEIRA, João P. de A viagem de volta: reelaboração cultural e horizonte político dos povos indígenas. In: Atlas das Terras Indígenas, PETI, UFRJ, Rio de Janeiro, 1994.

OLIVEIRA, João P. de. Uma etnologia de índios misturados? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais. In: Mana, estudos de antropologia social. 4/1 PPGAS-MN-UFRJ, Rio de Janeiro, 1998.

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[1] Arqueóloga e Historiadora. Doutorado no Museu de Arqueologia e Etnologia-MAE/USP e Pós-Doutorado pelo Departamento de Arqueologia e Antropologia, FAFICH/UFMG. Membro do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva-CEDEFES.

[2] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP;  assessor da CPT, CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.

[3] A antropologia estabelece o termo etnogênese para se referir a esses complexos processos de emergência étnica ou ressurgência social e política dos grupos tradicionalmente submetidos a relações de dominação e de invisibilidade (OLIVEIRA, 1994;1998).

[4] Designação genérica de cativos indígenas, também mencionados como “cabras da terra” nos documentos da época, cujas etnias de seus integrantes teriam sido muito variadas (MONTEIRO, 1995).

[5] O papel da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara (ABEFC) consiste em iniciativas que se baseiam nos princípios fundamentais para uma nova Economia que “traz vida, não morte, que é inclusiva e não exclusiva, humana e não desumanizadora, que cuida do meio ambiente e não o despoja“ de acordo com o chamado do Papa Francisco ( http://economiadefranciscoeclara.com.br/ ).

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