Luto no quilombola: tambores se calam no 13 de maio dos Arturos

13/05/2021

Elian Guimarães

Depois de perder o patriarca e a matriarca para a COVID-19 em menos de uma semana, pela primeira vez, comunidade não celebra a festa com congados

Ao contrário da alegria de todos os anos, a comunidade Quilombola dos Arturos amanheceu de luto neste 13 de maio

 

O silêncio substituiu a alegria de tambores e chocalhos dos congados na comunidade quilombola dos Arturos, em Contagem, neste 13 de maio.

Neste ano, não houve colorido de flores e bandeirinhas. A tradicional festa que comemora a Lei Áurea, que libertou os escravos, assinada pela princesa Isabel, em 1888, não aconteceu. Nesta mesma data se reverencia Nossa Senhora do Rosário.

O quilombo está em luto. Em seis dias, os familiares perderam o patriarca Mário Brás da Luz, de 88 anos, o último filho de Artur Camilo Silvério, na quinta-feira (6/5), e, na terça-feira (11), a mulher dele, Maria Auxiliadora da Luz, de 84. Ambos vítimas de complicações da COVID-19.
Os paramentos, instrumentos de reza e benzeção, os altares e bandeiras dos santos permanecem intocados e  guardados, da mesma forma que foram deixados pelo casal. Até que o luto se acabe.
‘Seu’ Mário era o capitão da guarda do Congado e Dôra, como a matriarca era carinhosamente chamada por seus descendentes, a rainha de 13 de maio de Nossa Senhora do Rosário.
Após passamento e antes do sepultamento, ambos são descoroados. No caso do patriarca, a coroa passa de imediato para o vice-capitão, o filho mais novo, Carlos Antônio da Luz.
O filho mais velho, Raimundo Antônio Raimundo da Luz, de 58 anos, já vinha sendo preparado há quatro anos para as bênçãos rezas e atendimentos. Ele acompanhava o pai em benzeções e orações, atendendo e aconselhando pessoas, da comunidade e fora dela.
Já o matriarcado não é automático. Dona Dôra foi descoroada durante as cerimônias de funeral. Agora, a comunidade passará a discutir quem assumirá o lugar de Rainha e matriarca. Geralmente, o patriarca é a pessoa mais velha a suceder. Patriarca e matriarca exercem papéis de “grandes pais”, conselheiros.

Gorete, rainha de Irmandade há 32 anos, disse que a comunidade ficou muito assustada com mortes por COVID-19(foto: Leandro Couri/EM/DA Press)
“Eles vão construindo esse espaço e a comunidade vai percebendo isso como uma missão”, explica a rainha de Irmandade há 32 anos e nora do casal falecido, Maria Gorete Costa Heredia Luz, de 53, professora da rede pública.

Sem o tradicional congado

As comemorações que se inciam uma semana antes, no Dia das Mães, neste ano, devido à pandemia,  a comunidade não fez cerimônia de levantamento do mastro da Princesa Isabel, “uma reverência aos ancentrais em gratidão ao ato da assinatura da Lei Áurea”, explica a rainha da Irmandade.

“Comemoramos com a consciência de que foi apenas um ato burocrático, mas necessário de ser referendado. A escravidão não terminou alí. O povo negro foi jogado à própria sorte, não recebeu indenização nem sequer um pedaço de terra. Os grandes fazendeiros preferiram doar parte de suas terras a imigrantes europeus brancos.”

Os escravos libertos nem sequer tinham direito a estudar. Uma lei do Império determinava que só poderiam frequentar aulas após os 14 anos, à noite, e se o professor desse aval.

“Hoje, continuamos sofrendo discriminação e racismo. A população de rua, carcerária, em sua maioria é de negros. Os filhos de fazendeiros tinham cotas asseguradas de acesso às universidades. Hoje, quando cobramos cotas, dão a entender que estamos tirando o lugar dos outros”, observa Gorete.

noticias: Hiago Daniel Heredia Luz, fisioterapeuta, é o primeiro integrante da comunidade quilombola a concluir curso superior
O filho de Gorete, formado em Fisioterapia, pela PUC Minas, Hiago Daniel Heredia Luz, de 25, entrou na universidade pelo sistema de cotas. Ele é coordenador do grupo de combate e prevenção à COVID-19 na comunidade. Os próprios moradores delegaram a ele essa tarefa. É um dos primeiros homens integrantes da comunidade a se formar em curso superior.

Pandemia limitou celebrações

Assim como em todos os anos, para cumprir os rituais sagrados foram homenageados os santos devotos: Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia e São Bendito. Os mastros erguidos, porém, foram descidos à noite para que não houvesse aglomerações e as pessoas não ficassem muito tempo juntas.

Na pandemia, esse ano não houve convidados.  Ficou restrito só a comunidade.  Só pessoa do reinado num grupo bem restrito que participou.  Nas ocasiões anteriores, eram convidados 15 guardas de Congo e Moçambique, vindas de outras cidades de Minas.

Uma novena em intenção dos enfermos pela COVID-19, que acometeu 45 moradores da comunidade, com cinco mortos, aconteceu com abertura na capela, reunindo apenas 10 pessoas. “A novena veio nos fortalecer. Combinamos que rezaríamos todos no mesmo horário, durante os nove dias, cada família em suas casas”, diz a rainha da Irmandade
Pela primeira vez, o congado não saiu às ruas e se dirigiu à Igreja de Nossa Senhora do Rosário,  do Bairro Alvorada, onde todos os anos é celebrada a missa conga. A missa aconteceu para número reduzido de fiéis, no Dia das Mães, na prórpia comunidade com participação de um grupo reduzido a dois representantes de cada família e alguns representantes das guardas de congado.

O desfile, nos anos anteriores eram acompanhado por pessoas vindas de várias cidades da Grande-BH e por um grupo de teatro formado pelos jovens da comunidade, representando os tempos da escravidão e a vida do povo negro hoje.

Um grande grupo de pessoas, de fora do corpo reinante, faz doações e ajuda na recepção, enfeites, alimentação e limpeza. Neste não não houve essa participação.
Entre as celebrações dos Arturos, destacam-se, além da festa da capina às vésperas do Natal, o Batuque, a Folia de Reis, a Festa da Abolição e, principalmente, o Reinaldo de Nossa Senhora do Rosário, festa popularmente conhecida como Congado.

Eles também formam o grupo artístico Arturos Filhos de Zambi (deus dos negros da nação banto) que trabalha percussão, dança afro e teatro em torno da história dos negros.

Navio negreiro partiru de Angola

A comunidade negra dos Arturos descende de Camilo Silvério da Silva que, em meados do século 19, chegou ao Brasil em um navio negreiro vindo de Angola. Do Rio de Janeiro,  veio para Minas Gerais onde casou-se com uma escrava alforriada chama Felismina Rita Cândida. Dessa união nasceram seis filhos.
Entre os irmãos, Artur Camilo Silvério foi o que mais prosperou. Nasceu em 1885, época da Lei do Ventre Livre, e se casou com Carmelinda Maria da Silva. Os dois tiveram 10 filhos e vieram morar em Contagem, na localidade então conhecida como Domingos Pereira, onde adquiriram a propriedade na qual ainda hoje vivem seus descendentes.
A comunidade se encontra na sétima geração. São 110 famílias.  Artur teve 11 filhos 10 legítimo e 1 de criação.
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