08/10/2025
Magistrado considerou que a licença foi concedida sem a participação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

O Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte é uma obra rodoviária de 100,65 quilômetros, dividida em quatro trechos: Norte, Oeste, Sudoeste e Sul. Foto: Reprodução
O juiz federal substituto Marcelo Aguiar Machado, da 10ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte, suspendeu nessa terça-feira (7) a licença prévia do Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte. A decisão determina que o governo de Minas e os demais responsáveis pela obra realizem consulta livre, prévia e informada às comunidades quilombolas antes de prosseguir com o licenciamento ambiental.
A suspensão recai sobre a Licença Prévia nº 405, emitida no dia 26 de fevereiro de 2025 pela Câmara Técnica Especializada de Atividades de Infraestrutura de Energia, Transporte, Saneamento e Urbanização do Conselho Estadual de Política Ambiental (SIF/Copam).
O magistrado considerou que a licença foi concedida sem a participação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no processo e sem que fosse realizada a consulta exigida pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Esta convenção garante às comunidades tradicionais o direito de serem consultadas sobre projetos que possam afetá-las diretamente.
A decisão determina que o Estado de Minas Gerais e as empresas responsáveis pelo projeto se abstenham de prosseguir no procedimento de licenciamento ambiental até que seja realizada a consulta livre, prévia, informada e de boa-fé aos povos e comunidades tradicionais.
Existe divergência sobre quantas comunidades devem ser consultadas. O governo de Minas Gerais reconhece que seis comunidades quilombolas serão diretamente afetadas: Luízes, Arturos, Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Justinópolis, Mangueiras, Pinhões e Pimentel.
Já a Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais identificou dez comunidades cujos territórios serão diretamente impactados pela construção. A Prefeitura de Contagem realizou levantamento que apontou 37 povos e comunidades tradicionais no município que seriam atingidos pela obra.
O Incra, por sua vez, considera que apenas seis comunidades quilombolas seriam diretamente afetadas: Arturos (Contagem), Pinhões e Manzo Kalungo (Santa Luzia), Família Araújo (Betim), Mangueiras (Belo Horizonte) e Nossa Senhora do Justinópolis (Ribeirão das Neves).
A ação civil pública foi ajuizada em 2022 pela Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais, com posterior adesão do Município de Contagem. O processo inicialmente buscava suspender a licitação para contratação da parceria público-privada até a realização da consulta prévia.
O Estado defendeu que a consulta deveria ocorrer durante o processo de licenciamento ambiental, não antes da licitação. O argumento foi parcialmente aceito pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região, que permitiu a licitação mas estabeleceu que não poderia ser concedida licença ambiental sem a comprovação da consulta às comunidades quilombolas.
Foram realizadas três audiências de conciliação (em outubro de 2024, dezembro de 2024 e janeiro de 2025), mas não houve acordo. O Estado chegou a pedir prazo para elaborar uma contraproposta em janeiro, mas não apresentou nova manifestação.
O juiz fundamentou a decisão na violação da Convenção nº 169 da OIT, que estabelece que os governos devem consultar os povos interessados mediante procedimentos apropriados sempre que forem previstas medidas administrativas que possam afetá-los diretamente.
A decisão cita jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, estabelecendo que o Estado tem o dever de consultar ativamente as comunidades segundo seus costumes e tradições, em comunicação constante entre as partes. As consultas devem ser realizadas nas primeiras etapas do plano de desenvolvimento, não apenas quando surge a necessidade de aprovação da comunidade.
O magistrado enfatizou que o dever de consulta não é requisito meramente formal, mas instrumento que deve ser efetivo para a participação e influência das comunidades sobre projetos governamentais. A Convenção estabelece que a consulta deve ser realizada com boa-fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo.
A decisão esclarece que a Licença Prévia é o momento em que se realiza a análise de viabilidade ambiental do projeto, considerando aspectos de localização, concepção e compatibilidade com a legislação socioambiental. O juiz considerou que é exatamente sobre essa concepção do empreendimento que deve ser garantida a manifestação das comunidades tradicionais.
O magistrado rejeitou o argumento do Estado de que a licença prévia não produz efeitos imediatos por estar condicionada à manifestação de outros órgãos. Para ele, a declaração de viabilidade ambiental já estava estabelecida, o que esvaziaria a eficácia da consulta prévia exigida pela Convenção nº 169.
O Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte é uma obra rodoviária de 100,65 quilômetros, dividida em quatro trechos: Norte, Oeste, Sudoeste e Sul. O investimento previsto é de R$ 5 bilhões, sendo parte dos recursos proveniente do acordo de reparação firmado com a Vale após a tragédia de Brumadinho, em 2019.
A previsão inicial era de conclusão das obras em 2028, com início ainda em 2024. No entanto, o cronograma já enfrentava atrasos mesmo antes da decisão judicial, com o governo admitindo a possibilidade de montar o canteiro de obras apenas em 2025.
A suspensão da licença prévia representa mais um obstáculo para o projeto, que já vinha enfrentando dificuldades para sair do papel. Entre os obstáculos anteriores estavam disputas de versões entre o governo estadual e o Incra sobre os rumos da Consulta Livre, Prévia e Informada, além de demoras em manifestações do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
A decisão não anula o contrato de concessão já firmado com o consórcio vencedor da licitação, liderado pela empresa italiana INC S.p.A. e executado pela sociedade de propósito específico Rodoanel BH S.A. O objetivo é garantir o cumprimento da legislação antes do prosseguimento do licenciamento ambiental.
O magistrado esclareceu que a medida visa acautelar o direito de observância da Convenção nº 169 da OIT, especialmente quanto à consulta livre, prévia, informada e de boa-fé dos povos e comunidades tradicionais diretamente afetados pela obra. A suspensão permanece até que seja realizada a consulta adequada e considerados os impactos apresentados pelas comunidades.