Comunidade quilombola da região não foi consultada, diz processo; empresa Tamisa diz que vai recorrer da decisão

O TRF-6 (Tribunal Regional Federal da 6a Região) decidiu por 2 votos a 1 acatar recurso do MPF (Ministério Público Federal) e suspender as licenças da empresa Tamisa para exploração de minério de ferro na Serra do Curral, cartão-postal de Belo Horizonte.

Dois desembargadores já haviam se posicionado a favor da suspensão. O terceiro voto, contrário, foi apresentado nesta terça-feira (29), encerrando o julgamento do mérito da ação.

A empresa afirmou que pretende recorrer da decisão.

Uma decisão liminar contrária às licenças havia sido tomada em dezembro do ano passado pelo TRF-6. O projeto da empresa previa a retirada de 31 milhões de toneladas de minério de ferro em 13 anos. A autorização para a exploração é de abril de 2022.

A Praça do Papa, região centro-sul de Belo Horizonte, tendo ao fundo a Serra do Curral, alvo de mineradoras.
A Serra do Curral, cartão postal de Belo Horizonte. Ao seus pés, a Praça do Papa, na região centro-sul da capital mineira. – Adão de Souza/PBH

Parte da Serra do Curral já é protegida. Mas outras áreas ainda pertencem a mineradoras. A Polícia Federal investiga empreendimentos na região.

A ação do MPF contra a atividade da mineradora na Serra do Curral, proposta pelo procurador Edmundo Antonio Dias, que atua na área de povos e comunidades tradicionais em Minas Gerais, tem como sustentação a presença de uma comunidade quilombola na região, a Manzo Ngunzo Kaiango, que não foi consultada sobre o empreendimento, conforme preveem a legislação brasileira e tratados internacionais.

No processo, a empresa argumentou que os estudos realizados durante o processo de licenciamento ambiental do empreendimento concluíram que não haveria impactos para o território, crenças e práticas da comunidade quilombola, visão que não prevaleceu ao final do julgamento no TRF-6.

Após a decisão que suspende as licenças, a Tamisa informou, por meio de nota, “que recebeu a decisão com serenidade, sobretudo porque no julgamento de hoje (ontem) foi proferido voto a seu favor e que divergiu dos votos anteriormente proferidos, tendo sido acatados os argumentos apresentados pela empresa e pelo Estado de Minas Gerais, confirmando a regularidade do empreendimento e o não cabimento da ação intentada pelo MPF”.

“Neste cenário, a empresa tem tranquilidade que, em sede recursal, fará prevalecer este entendimento que lhe foi favorável, principalmente porque pautado nas provas e nos documentos constantes do processo e, também, na melhor interpretação jurídica aplicável ao caso”, afirma a mineradora, no posicionamento.

A comunidade Manzo Ngunzo Kaiango foi reconhecida pela Fundação Cultural Palmares em 2007. Ao todo tem 37 famílias, que somam 182 pessoas. Em 2017, foi registrada como Patrimônio Cultural Imaterial de Belo Horizonte, após aprovação unânime do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município.

Em 2018, foi reconhecida como patrimônio cultural de Minas Gerais pelo IEPHA, Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico. Nos dois registros foi ressaltada a importância da atuação estatal para garantir a manutenção das práticas culturais, religiosas e sociais do quilombo.

Folha Minas

A Serra do Curral tem sua face norte voltada para Belo Horizonte, no extremo sul da capital. Essa parte já passou por tombamento pela prefeitura da cidade. Na região está, por exemplo, o Parque das Mangabeiras, um dos principais do município.

A área que a Tamisa conseguiu licença para minerar, agora suspensa pela Justiça Federal, fica no município de Nova Lima, vizinho a Belo Horizonte. A Serra do Curral possui ainda afinidade histórica com a capital. Seu nome vem de Curral del Rei, um ponto de apoio para tropeiros a partir do qual foi erguida Belo Horizonte.

Print Friendly, PDF & Email