Conaq emite Nota de Repúdio a Fundação Cultural Palmares

05/04/2022

Fonte:http://conaq.org.br/noticias/nota-de-repudio-a-portaria-57-2022-fcp/

Nota de Repúdio à Portaria 57/2022 – FCP

A Fundação Cultural Palmares publicou a Portaria 57/2022 na edição 64 do Diário Oficial da União (DOU) de 04 de abril de 2022 na qual institui burocracias para a emissão de novas certidões de autodeclaração quilombola para comunidades.

Segundo a portaria assinada pelo presidente substituto, Marco Antônio Evangelista Barbosa, a comunidade solicitante poderá ser notificada via portal eletrônico da Fundação Cultural Palmares, no caso de haver a necessidade de complementar a documentação encaminhada.

Fator que segundo a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), em nota de Repúdio publicada nesta terça-feira, 05, pode tornar inacessível a Certidão de Autodeclaração quilombola, haja vista que a maioria das comunidades não dispõem de acesso à internet para fazer a consulta com frequência.

A portaria, cuja vigência se dá a partir de 02 de maio de 2022, prevê o prazo de 180 dias para avaliação e emissão da solicitação da Certidão e pode ser prorrogado por igual período.

A CONAQ publica Nota de Repúdio e denuncia violação ao Art. 6 da Convenção 169 da OIT.

Confira o texto na íntegra abaixo:

Brasília-DF, 05 de Abril de 2022.

NOTA DE REPÚDIO

A CONAQ recebe com surpresa e REPÚDIO a publicação da Portaria nº 57/2022 da Fundação Cultural Palmares (FCP), norma que estabelece critérios para expedição da Certidão de autodefinição de comunidades quilombolas. Mais uma vez o Estado debate e publica uma norma sobre nós, quilombolas, sem nos escutar.

Apesar do art. 6 da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) impor ao Estado brasileiro a obrigação de consultar quilombolas sempre que qualquer medida administrativa tiver a possibilidade de afetar as comunidades, a Fundação Cultural Palmares não nos consultou sobre essa portaria.

Desataca-se que no âmbito do Grupo de Trabalho instituído por decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF nº 742 a Conaq e a Fundação Cultural Palmares estão debatendo temas importantes, como o procedimento para denúncia de violação de direitos de quilombolas, mas o assunto da Portaria nº 57/2022 nunca foi levado a debate pela Palmares, em evidente ação de má-fé.

Além da portaria ter sido construída sem consulta às comunidades quilombolas, burocratizou desnecessariamente o procedimento de expedição das certidões de autorreconhecimento.

Para que a Fundação Cultural Palmares possa analisar pedidos de expedição de certidão de autorreconhecimento, passa a ser obrigatório

  1. apresentar endereço de email da comunidade, situação que pode excluir quilombos que não têm acesso a internet,
  2. impõe que as comunidades devam enviar à FCP um relato detalhado da trajetória comum do grupo, com a história da comunidade preferencialmente instruída com dados e documentos, o que nem sempre é de simples elaboração;
  • confere o prazo de apenas 30 dias para que a comunidade providencie mais documentos e informações sobre o pedido de certidão, quando a seu exclusivo critério a FCP entender necessário;
  1. prevê a notificação por diário oficial para as comunidades que não responderem ofício da FCP com pedido de complementação de informações, procedimento meramente formal, burocrático e custoso que inviabiliza acesso das comunidades a essa informação, pois não consultam o diário oficial com regularidade.

Para além de outras burocracias desnecessárias, que só atrapalham a vida das comunidades, a FCP também previu que qualquer órgão do Estado, inclusive aqueles que se opõe frontalmente a nossos quilombos, a possibilidade de questionar a consistência do relato histórico feito pelas comunidades, obrigando a FCP a diligenciar no território para supostamente investigar nossas histórias. Mais burocracia, mais morosidade nas certidões e mais complacência com racistas que se opõem à plena liberdade de nossas comunidades em autodeclarar a identidade coletiva quilombola.

E não há na citada portaria qualquer elemento técnico que indique o que seria o suposto “histórico inconsistente” do relato feito pelas comunidades no pedido de expedição da certidão. Na forma exposta, a FCP terá ampla e ilegal margem de discricionariedade para definir o que é esse tal de “histórico inconsistente”.

Agindo assim a FCP viola o direito quilombola ao autorreconhecimento da identidade coletiva, e abre danosa possibilidade de obrigar a realização de estudos para que a comunidade seja reconhecida como quilombola.

Por fim, a portaria permite que a FCP revise certidões já expedidas, sem que para tanto seja obrigada a dialogar diretamente com as comunidades quilombolas cujas certidões passem por esse processo de questionável revisão de autodeclaração de identidades coletivas quilombolas.

Nós, lideranças quilombolas da CONAQ, não aceitaremos caladas as ações abusivas e ilegais da Fundação Cultural Palmares. Nada será feito sobre nós sem nossa participação. A tutela e o arbítrio do Estado não serão, como nunca o foram, aceitos por nós quilombolas. Adotaremos todas as medidas necessárias para reverter a publicação da Portaria nº 57/2022 da Fundação Cultural Palmares.

Coordenação Executiva da CONAQ

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