Comunidade de Lapinha

25/08/2010

Lapinha é o nome da comunidade quilombola que se localiza ao sul do município de Matias Cardoso. Antigamente o quilombo era denominado de Tapera. O nome Lapinha foi se popularizando entre os moradores e a sociedade do entorno, até que se transformasse no nome oficial do local. Lapinha significa pequena lapa (gruta) e/ou presépio. 

O Quilombo da Lapinha, situado no município de Matias Cardoso, norte de Minas Gerais, é constituído por cerca de cento e sessenta famílias e é composto pelas comunidades Vargem da Manga, Lapinha, Saco, ocupação Rio São Francisco e Ilha da Ressaca. Esta comunidade quilombola ocupa o seu território, desde o século XVII, quando seus ancestrais se rebelaram e fugiram, principalmente das fazendas da Bahia, e adentraram a chamada Mata da Jaíba, nos vales do Rio São Francisco, Verde Grande e Gorutuba. Nesse território, desenvolveram uma organização social baseada na solidariedade, conjugando a agricultura, pesca e pecuária em terras comuns.
É reconhecida pela Fundação Cultural Palmares, registrado no livro de cadastro geral número 003, registro número 232, folha 38. O certificado foi emitido em 02 de junho de 2005.
Na década de 70, as comunidades tradicionais quilombolas e vazanteiras desta região foram expropriadas passando a viver encurraladas em pequenas áreas nas ilhas ou em terras firmes às margens do Rio São Francisco. Este movimento se deu com o avanço da fronteira agrícola na região.
No ano de 1979 houve uma grande cheia do Rio São Francisco que obrigou várias famílias a deixarem o território temporariamente. Quando estas famílias voltaram, a maior parte das terras estavam ocupadas por fazendeiros. Segundo o morador Jezuito Gonçalves, o território tradicional da Lapinha era muito grande e ia do local denominado de Pacheco eté o Barreiro da Onça.
Uma parte significativa de moradores teve que se fixar nos centros urbanos. Muitas famílias ainda vivem em Matias Cardoso ou em Belo Horizonte, Montes Claros ou São Paulo.
Atualmente foi criado o Parque estadual da Lagoa do cajueiro, que incidi sobre o território quilombola. A criação do parque, juntamente com as fazendas, cercaram a comunidade quilombola em um pequeno território que não corresponde com suas terras tradicionais. A criação do parque tem cerceado as atividades de pesca dos moradores no rio e nas lagoas. As atividades de extrativismo também estão comprometidas.
O parque Estadual da Lagoa do Cajueiro, juntamente de outros parques na região – parque da Mata Seca e parque do rio Verde Grande – foram criados em decorrência do grande impacto ambiental causado pelo projeto Jaíba. A comunidade nunca foi consultada sobre a criação do parque. Todos estas parques atingem comunidades tradicionais que usam o território de forma sustentável e tem um manejo do mesmo que proporciona um equilibrio ambiental. O parque da Mata Seca atinge a comunidade de Vazanteiros de Pau de Légua e o parque do rio Verde Grande atinge a comunidade de vazanteiros de Pau Grande.
As famílias que haviam perdido suas terras retornaram em 29 de setembro de 2006, como forma de pressionar o Estado para a titulação do território e retomar seu verdadeiro lugar, seu chão.
Em 03 de outubro de 2009, cerca de 72   famílias quilombolas de Lapinha, juntamente com outros irmãos quilombolas da comunidade Brejo dos Crioulos (município de São João da Ponte/MG), ocuparam uma área de aproximadamente 500 ha na Fazenda Lagoa da Lapinha. O imóvel está localizado às margens do Rio São Francisco e sofreu anos passados crimes ambientais com o desmatamento das matas nativas que foram transformadas em carvão. A terra, ociosa e abandonada transforma-se em motivo de esperança para a comunidade. Hoje o acampamento conta com diversas casas de adobe e é denominada de ocupação Rio São Francisco.
Há um outro acampamento denominado de Barreiro da Onça que conta atualmente com apenas tres famílias. O objetivo destes acampamentos são pressionar o governo para agilizar o processo de titulação do território quilombola.
A comunidade é atendida por rede elétrica e há duas escola que atende até a 4ª série do ensino fundamental. Uma escola fica na Ilha do Cajueiro e a outra no sequeiro, na terra firme. Não há saneamento básico. Somente na sede do município os quilombolas têm acesso a escola de ensino médio, posto de saúde e telefone público. Há uma agente do Programa Saúde Família que é moradora da comunidade. O quilombo se organiza em torno de uma associação.
Há na comunidade uma pequena fabriqueta para a produção de farinha e rapadura.
Hoje não há cemitério em Lapinha, as pessoas são enterradas em Matias Cardoso. No passado havia um cemitério apenas para as crianças, o cemitério era chamado de “Cemitério dos Anjinhos”.
Os moradores vivem da agricultura familiar e da criação de bovinos, suínos e aves. Muitos migram para os grandes centros urbanos em busca de trabalho e renda. Hoje a produção se restringe a ilha do Cajueiroe aproximadamente um hectare de terra coletiva no acampamento. As famílias produzem suas hortas e pequenas plantações na vazante e no sequeiro do rio.
Antigamente, as mulheres catavam algodão e mandioca e vendiam na feira da cidade. As mulheres relataram também que faziam o bolo de puba, típico na região. 
Os moradores precisam trabalhar nas fazendas vizinhas ou na cidade para poderem sobreviver. Há um projeto a ser desenvolvido com recursos da CESE que foi articulado pela CPT e pelo CAA para a construção de um centro de artesanato na comunidade.
Procurando reaver o seu território histórico, os moradores da Lapinha ocuparam fazendas instaladas em suas terras. Buscam, com esta medida, o título das terras que perderam. Essa é uma luta comum entre os quilombolas do Norte de Minas.
A identidade quilombola é muito forte entre os moradores. O batuque e o samba de roda, característicos dos quilombos do Norte de Minas Gerais, são muito executados nas festividades. Os festejos de São Sebastião no dia 10 de janeiro são realizados há mais de 100 anos. Segundo os moradores antigamente haviam as festas do Divino espírito Santo e de Nossa Senhora do Rosário. A festa de reis também era tradicional. O terno de Folia de reis, que havia na Lapinha, iniciava o périplo de casa em casa no dia 25 de dezembro e ia até o dia 06 de janeiro. Hoje não existe mais os festejos de folia de reis.
A comunidade realiza outras festas, como festas juninas e festejos outros onde há batuque, quadrilhas e leilões.
Os moradores relataram diversas histórias sobre lobisomem, mula sem cabeça e o Caboclo Dágua. O caboclo Dágua é muito importante no imaginário e na vida dos moradores de Lapinha, bem como todas as comunidades ribeirinhas do Rio São Francisco. Há também, segundo os moradores, um encanto na mata, que pode ser saci pererê ou o Pai da Mata. Este encanto produz gritos e ventania. Estas criaturas aparecem durante o período da quaresma.
O Caboclo Dágua aparece em locais fundos do rio ou das lagoas e se transfigura em peixe, cabaça, ou outra forma material ou imaterial.
Os moradores querem justiça e retomar seu território tradicional. Hoje estão acuados e ameaçados por fazendeiros e pelo parque estadual da Lagoa do Cajueiro.
 
 
Notícia sobre a prisão da liderança de Lapinha – Jezuíto José Gonçalves
 
Na tarde de 23 de julho de 2010, após mais de cento e vinte anos da abolição da escravatura e três dias depois de o Presidente Lula sancionar o Estatuto da Igualdade Racial, a comunidade de Matias Cardoso assistiu, atônita, ao ressurgimento da função de “Capitão-do-mato”, dessa vez exercida pela Polícia Militar do Estado de Minas Gerais. Por volta das17h, as famílias do acampamento Rio São Francisco do Quilombo da Lapinha, no Município de Matias Cardoso, Norte de Minas, foram surpreendidas com a invasão de duas viaturas com seis policiais, comandados pelo 2º Tenente Carlos Roberto Venuto Júnior. Os policiais fortemente armados, sem mandado judicial, cercaram o acampamento, mantendo as armas apontadas para homens e mulheres, crianças e idosos, revistando quem chegava, como forma de intimidar os quilombolas que ali se encontravam.
Neste acampamento cerca de cinqüenta famílias ocupam uma pequena área de 22 hectares, de propriedade da União, situada no seu território tradicional, por força de um acordo judicial, celebrado em audiência da Vara Agrária de Minas Gerais. O comandante da operação justificava a ação arbitrária e ilegal dizendo que estava ali para resguardar as terras do Estado, pois havia um boato de que a comunidade iria invadir as terras pertencentes ao Parque Estadual Lagoa do Cajueiro e que estava cumprindo ordem do “Promotor de Justiça de Manga”. Depois de aterrorizar, ameaçar e humilhar as famílias, identificaram uma das lideranças do acampamento, Sr. Manoel da Conceição Neto e, em seguida, dirigiram-se à casa do Sr. Jesuíto José Gonçalves, presidente da Associação do Quilombo da Lapinha.
Após as 18h, os policiais chegaram à casa do Sr. Jesuíto, pararam as viaturas na porteira de entrada e adentraram o quintal. O Sr. Jesuíto, que retornava da horta trazendo verduras para preparar o jantar, dirigiu-se aos policiais e lhes perguntou o motivo da visita. O Tenente Carlos Roberto lhe disse que estava ali para impedir a invasão do Parque Lagoa do Cajueiro por parte dos quilombolas da Lapinha. No quintal da sua casa, sem mandado judicial, o policial começou a pressioná-lo e interrogá-lo, querendo saber quem estava organizando a invasão do Parque e quando aconteceria a suposta invasão. O Sr. Jesuíto disse que não sabia de nenhuma invasão e que as famílias que se encontram no acampamento ocupam aquela área, por força de um acordo judicial. O Tenente continuou pressionando o Sr. Jesuíto, dizendo que como presidente da Associação, ele estaria organizando a invasão e que se continuasse a dificultar o trabalho da polícia, poderia ser preso. O Sr. Jesuíto respondeu que não era ladrão, assassino ou estuprador e, portanto, os policiais não poderiam prendê-lo.
Numa clara violação à Constituição Brasileira que protege a inviolabilidade do domicílio e veda a prisão arbitrária (artigo 5º, XI e LXI, CF), os policiais o algemaram e o fizeram entrar na viatura. Essa ação truculenta, certamente, teve como objetivo servir de exemplo às famílias do Quilombo da Lapinha, que lutam pela efetivação do seu direito constitucional ao território, como na época da escravidão, quando os negros fugitivos eram capturados pelo Capitão-do-mato e amarrados em troncos, na praça pública.
Por ser idoso, contando já com 63 anos de idade e portador de obesidade mórbida, durante o trajeto para a cidade da Jaíba, imprensado na viatura, o Sr. Jesuito sofreu uma crise de hipertensão. Por isso, antes de conduzi-lo à Delegacia, os policiais tiveram de passar no Hospital para que fosse medicado e durante o período em que esteve sob cuidados médicos, os policiais montaram guarda na enfermaria, como se o presidente da Associação Quilombola fosse um temido bandido. Somente depois de duas horas, foi conduzido á Delegacia de Polícia para prestar declarações, tendo sido liberado logo em seguida.
O Quilombo da Lapinha, situado no município de Matias Cardoso, norte de Minas Gerais, é constituído por cerca de cento e sessenta famílias e é composto pelas comunidades Vargem da Manga, Lapinha, Saco e Ilha da Ressaca. Esta comunidade remanescente de quilombo ocupa o seu território, desde o século XVII, quando seus ancestrais se rebelaram e fugiram, principalmente das fazendas da Bahia, e adentraram a chamada Mata da Jaíba, nos vales do Rio São Francisco, Verde Grande e Gorutuba. Nesse território, desenvolveram uma organização social baseada na solidariedade, conjugando a agricultura, pesca e pecuária em terras comuns.
Entretanto, a partir dos anos de 1950, começaram a ser expropriados do seu território, passando a viver encurraladas em pequenas áreas nas ilhas ou em terras firmes às margens do rio São Francisco. Em função dos grandes impactos ambientais do Projeto Jaiba, o governo do Estado foi pressionado a promover a compensação pelos danos provocados pelo Projeto. Assim, no final dos anos 1990, milhares de hectares de áreas que ainda estavam relativamente preservadas e que eram utilizadas de forma extensiva pelas comunidades tradicionais, que aí viviam, foram transformados em unidade de conservação de proteção integral: parques e reservas biológicas, ameaçando de expulsar as famílias que encontraram nas ilhas e margens do rio São Francisco o último refúgio que lhes sobraram. Atingidas pela segunda vez, agora como vítimas dos impactos do Projeto Jaíba, estas famílias passaram a conviver com limites ainda mais significativos, comprometendo as suas condições de sobrevivência e de reprodução social.
Em 2005, os quilombolas da Lapinha iniciaram um processo de organização para efetivar o direito constitucional à propriedade definitiva e à titulação do seu território. Como estratégia para pressionar o Estado a realizar os procedimentos em vista desta titulação, em data de 30 de setembro de 2006, ocuparam a Fazenda Casa Grande que, além de estar inserida em seu território, tem uma grande extensão margeada pelo rio São Francisco, portanto, de propriedade da União. Em Aaudiência de Justificação, presidida pelo Juiz da Vara Agrária, foi celebrado um acordo prevendo a permanência das famílias em uma área de 22 hectares até o final do litígio. Embora vivendo nessa área exígua, as famílias construíram diversos barracos de adobe, cisternas para armazenamento de água, com a implantação de hortas e lavouras diversificadas, melhorando de forma significativa sua alimentação. Outras iniciativas encontram-se em andamento como práticas de manejo agroecológico de vazantes e uma unidade comunitária de artesanato. Além disso, em parceria com a Prefeitura Municipal de Matias Cardoso, houve uma melhora significativa no atendimento escolar, inclusive com a contratação de professores da própria comunidade.
Em janeiro deste ano, o IEF fez um acordo com a empresa Fazendas Reunidas Vale do São Francisco LTDA – FAREVASF, suposta proprietária da Fazenda Casa Grande, ajuizando pedido de Homologação de Desapropriação por Utilidade Pública e Interesse Social, para incorporar o imóvel ao Parque Estadual Lagoa do Cajueiro. Nesse acordo, tanto a FAREVASF como o IEF omitiram, deliberadamente, a existência do litígio envolvendo a comunidade quilombola, cujo processo ainda se encontra em tramitação. Esse fato aumentou ainda mais o clima de insegurança da comunidade.
Desesperados com a iminente desocupação da área de onde estão tirando o sustento das suas famílias, os quilombolas buscaram apoio aos órgãos públicos e entidades de apoio. Assim, em recente data de 07 e 08 de julho, o Quilombo da Lapinha recebeu a visita de Representantes do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e Comissão Especial de Direito Humano à Alimentação Adequada da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que constataram in loco os conflitos socioambientais e a violação de direitos fundamentais vividos pela comunidade.
A visita de autoridades de diversos órgãos do Estado ao Quilombo da Lapinha, reacendeu nas famílias a esperança de que seu clamor por efetivação do direito constitucional ao território finalmente seria ouvido. Entretanto, a recente ação da Polícia Militar, equiparada às práticas do Capitão-do-mato, cuja função julgávamos ter sido extinta com a abolição da escravatura, trouxe revolta e descrédito no papel do Estado em promover a dignidade da pessoa humana. Por isso, as comunidades do Quilombo da Lapinha vivem, hoje, uma grande tensão. A Polícia continua circulando as imediações do acampamento, intimidando as pessoas que encontram pelas estradas, além de manter viaturas no entorno do Parque Lagoa do cajueiro e na Sede da Fazenda c Casa Grande.
ASQUILA – Associação Quilombola de Lapinha, Município de Matias Cardoso- MG
CPT – Comissão Pastoral da Terra
CAA/NM – Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas
 
Fonte: CEDEFES
Print Friendly, PDF & Email