Aposentadoria no campo: projeto de extensão auxilia trabalhadores rurais a conhecerem seus direitos

02/06/2020

Lorena Scafutto I Revista Pucminas, n. 21, p.58 a 59

Fonte:http://www.revista.pucminas.br/wp-content/uploads/EDICAO-21.pdf?v=2

Foto: Aos 72 anos, a agricultora Maria Zulmira conta com a orientação de extensionistas do Curso de Direito da PUC Minas em Betim para obter
a aposentadoria. Crédito: Raphael Calixto

 

Filha de agricultores, Maria Zulmira Pereira da Silva, de 72 anos, aprendeu ainda criança a trabalhar com a agricultura e, também, a cultivar na terra o necessário para a sobrevivência. Há alguns anos, dona Maria decidiu se aposentar, mas encontrou algumas dificuldades. É que ela se encaixa no perfil dos chamados Segurados Especiais – agricultores familiares, camponeses, extrativistas, pescadores artesanais – um grupo que, muitas vezes, não possui ou desconhece os documentos que comprovem o exercício da atividade familiar no campo.
Buscando democratizar o acesso aos direitos dos segurados especiais, dois professores do Curso de Direito da PUC Minas, Matheus Leite e Rodrigo Ruggio, idealizaram o projeto Previdência Social Rural: a efetivação da proteção social dos agricultores familiares e camponeses. O projeto iniciou as atividades em 2012, na PUC Minas Serro, e, atualmente, atua na cidade de Betim. “O segurado especial possui todos os direitos dos demais trabalhadores, independentemente de contribuição à Previdência Social. A maioria, entretanto, e principalmente aqueles que laboram em regime de economia familiar, ou exercem a atividade de forma individual, encontra obstáculos ao pleitear seu benefício previdenciário devido à exigência de provas documentais de suas atividades”, comenta o professor Matheus Leite.

Foto: Os alunos de Direito Isabela Vaz Ribeiro e Matias da Mota Ribeiro lamentam a desinformação da população rural sobre os próprios direitos

Dona Maria Zulmira diz que se considera agricultora até mesmo antes de nascer. “Minha mãe trabalhava na roça, em Piratama, com plantação de algodão, café. Ela sentiu as dores do parto quando estava trabalhando. Por isto, quando estava ainda na barriga da minha mãe, eu já estava cuidando da terra”, se orgulha a agricultora. Dona Maria conta que gosta de trabalhar, mas o cansaço é limitador. “Infelizmente, só posso parar de trabalhar depois da aposentadoria. Acontece que a exigência de todos os papéis e comprovações me faz desanimar. Agora, com a ajuda dos professores e alunos, espero alcançar este sonho”, destaca.
O professor Rodrigo Ruggio ressalta que esta falta de efetivação dos direitos previdenciários dos agricultores familiares os coloca em risco social.
“Na hipótese de perderem a capacidade de trabalho por circunstâncias alheias a sua vontade, eles não estarão em condições de prover a própria subsistência e de sua família e não terão acesso aos benefícios previdenciários assegurados pelo Regime Geral de Previdência Social”, alerta Ruggio.
As atividades do projeto consistem, portanto, em informar aos produtores sobre seus direitos, e, posteriormente, auxiliar na formalização jurídica das relações de trabalho daqueles que já podem requerer o benefício. Após os extensionistas irem até as comunidades esclarecer sobre os direitos dos segurados especiais e os procedimentos necessários para requerimento do benefício, os alunos do 10º período elaboram as petições.
“Este é um trabalho que envolve os extensionistas, mas que também vincula a prática aos graduandos do curso de forma geral”, ressalta o professor Matheus Leite. O extensionista Matias da Mota Ribeiro, estudante do 4º período de Direito, conta que o fato de o assunto “previdência social” estar pautado rotineiramente no país, somado a suas origens do interior de Minas Gerais, o motivaram a fazer parte do projeto. “Sou de São Francisco, interior de Minas Gerais. Quando a reforma da previdência social começou a ser discutida, me interessei muito por esta área do Direito e, principalmente, em como as pessoas, cujas atividades remuneratórias são rurais – como acontece bastante na cidade em que nasci – passam pelo processo de aposentadoria”, ressalta. Hoje, após participar do projeto, Matias já entende melhor sobre previdência rural e pode auxiliar os moradores da cidade em que nasceu. “A contribuição previdenciária não é condição para concessão do benefício. Alguns exemplos de documentações comprobatórias do labor rural são: contrato de arrendamento, comprovante de cadastro do Incra, bloco de notas do produtor rural, notas fiscais de mercadorias, entre muitos outros”, exemplifica Matias.
A extensionista Isabela Maria Vaz Ribeiro, estudante do 5º período de Direito da PUC Minas Betim, ressalta que a falta de informação das comunidades a surpreendeu. “É notória a falta de preocupação do poder público em orientar essas pessoas sobre os processos que precisam ser realizados e sobre as alternativas de documentos comprobatórios que podem ser apresentados no pedido de aposentadoria”, comenta Isabela. “Dona Maria Zulmira, por exemplo, poderia ter se aposentado aos 55 anos. Ela tem toda a documentação que comprova o labor rural, mas, infelizmente, ainda aguarda o processo judicial”, lamenta.
Em Betim, mais de 40 famílias já foram atendidas pelo projeto, mas ainda não houve decisão judicial para os processos em andamento. No Serro, Campus em que o projeto teve início, 215 pessoas foram atendidas, e, destas, 77 conseguiram o benefício por meio do projeto de extensão. “Finalizamos as atividades no Serro em 2016. Depois disso, o SAJ local assumiu os processos em andamento; muitos ainda aguardam o julgamento”, aponta o professor Matheus Leite.

INSCRIÇÃO ATÉ DOIS ANOS
Os professores alertam sobre uma modificação na legislação previdenciária, realizada pela Lei 13.846/2019, que dispõe sobre a necessidade de inscrição dos segurados especiais no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) em até dois anos. “Caso não realizem este cadastro, eles não terão acesso à proteção previdenciária”, afirmam Matheus Leite e Rodrigo Ruggio. A inscrição deve ser realizada por meio do cnisnet.inss.gov.br.

QUEM SÃO OS SEGURADOS ESPECIAIS?
São os trabalhadores rurais que produzem em regime de economia familiar, sem utilização de mão de obra assalariada – agricultores familiares, camponeses, extrativistas, pescadores artesanais. O benefício da aposentaria é um direito ao cidadão que comprovar o mínimo de 180 meses trabalhados na atividade rural, além da idade mínima – para os homens, 60 anos, e, para as mulheres, 55 anos.

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