22/11/2025
Mesmo com participação indígena inédita, a COP30 aprovou um texto que evita citar combustíveis fósseis, recua no Mapa do Caminho e limita avanços a um mandato para discutir transição justa.
Detalhe da mão do presidente da COP30 André Corrêa do Lago posa para foto após plenária de encerramento da COP30 (Foto de Ueslei Marcelino/COP30).

Belém (PA) – Marcada pela presença massiva e sem precedentes de representantes dos movimentos sociais e ambientais, sobretudo de povos indígenas e comunidades tradicionais, mas vista com preocupação por lideranças, observadores e especialistas ouvidos pela Amazônia Real, a conclusão da COP30 neste sábado (22) impôs uma grande frustração, apesar do reconhecimento de alguns avanços na agenda geral do evento. A plenária final aprovou um documento que convoca cooperação global, mas evita nomear o principal motor do aquecimento climático: petróleo, carvão e gás. Ao suprimir toda menção explícita ao tema e afastar termos como eliminação gradual, a conferência amarga o que muitos classificam como seu maior revés político, inclusive para a diplomacia brasileira.
No lugar disso, o texto adota expressões genéricas sobre cortes “rápidos e profundos” de emissões e afirma que a transição para uma economia de baixo carbono não tem retorno, mas deixa de lado o Mapa do Caminho defendido pelo governo brasileiro e apoiado por dezenas de países.
Mesmo carregando o simbolismo de uma COP voltada à participação social e à presença marcante dos povos indígenas, a “COP da Verdade” acabou, segundo analistas, sob forte resistência dos países dependentes de petróleo, retirando do centro exatamente aquilo que impulsiona a crise climática.

A observadora Txulunh Natieli, jovem liderança indígena pertencente ao povo Laklãnõ-Xokleng de Santa Catarina, afirma que o resultado da COP30 reflete o modo como os povos indígenas são tratados dentro do Brasil.
“É uma política muito externa e pouco interna trazer que a gente [Brasil] é contra os combustíveis fósseis e vai tratar disso aqui na COP, mas internamente aprova projetos de lei, aprova cessões para privatizar rios e isso é um reflexo muito do nosso País”, comentou. Segundo ela, faltou transparência ao processo, o que também reproduz a prática de conversas fechadas entre certos grupos. “Tem simbolismo muito grande nisso e mas isso também escancara como a nossa política nacional está muito viciada. Tem muitos vícios políticos.”

Luene Karipuna, liderança do povo Karipuna, do Amapá, e coordenadora executiva da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (Apoianp), também aponta contradições.
“É muito importante o roteiro global para o fim dos combustíveis fósseis, porém, como sempre disse, o Brasil, se quiser liderar o mundo para longe dos combustíveis fósseis, é necessário declarar a Amazônia uma zona livre de combustíveis fósseis. Esse é o primeiro passo, essa diminuição nos territórios que já estão impactados não só na Amazônia, mas também em outras regiões do Brasil, em outros territórios indígenas”, afirmou.
Segundo ela, a questão do Bloco 59 chama atenção para o fato de que o Brasil precisa “começar a fazer o seu dever de casa sobre os combustíveis fósseis, levando em consideração que tem muitos outros poços sendo explorados e que já trouxeram prejuízos consideráveis na vida dos povos e da Humanidade”.
O bloco fica na bacia da Foz do Amazonas, na Margem Equatorial, e recebeu do Ibama, em outubro de 2025, licença para perfuração pela Petrobras após anos de disputa. A decisão acendeu o alerta de organizações ambientais, indígenas, quilombolas e de pescadores, que recorreram à Justiça apontando vícios no processo, riscos a territórios e a modos de vida. Críticos dizem que isso abre uma “porteira petrolífera” na costa amazônica, área de alta biodiversidade, reforçando a tensão entre essa expansão e os compromissos de descarbonização do Brasil.
Para Luene Karipuna, a COP deveria ter aprofundado o debate sobre os direitos dos povos indígenas e reconhecido sua centralidade na agenda climática, garantindo financiamentos diretos a quem mais protege a Amazônia diante da expansão dos combustíveis fósseis. Ela afirma que também é essencial assegurar o direito desses povos de serem informados sobre qualquer empreendimento antes de sua instalação nos territórios, de modo a garantir proteção efetiva.

Em comunicado à imprensa no início da noite, o Observatório do Clima afirmou que Belém deu um passo importante ao decidir desenvolver, até a COP31, um mecanismo institucional para a transição justa — chamado pela sociedade civil de BAM (Mecanismo de Ação de Belém, na sigla em inglês) — e destacou que esse foi um dos maiores avanços obtidos na capital paraense.
“A presidência fez o que a COP não teve coragem: criou por declaração um processo para debater o assunto. Não temos uma decisão, mas temos algo pelo que lutar”, declarou Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. Ele disse à Amazônia Real que é bastante simbólico — e um sintoma da conferência — que a principal proposta feita na COP30 não tenha sido adotada nem incluída nos textos oficiais: o mapa do camino para a transição dos combustíveis fósseis. Astrini lembrou que a proposta nasceu no Brasil e ganhou o apoio de 80 países. “Agora a gente tem uma pauta para poder trabalhar, para poder ela sobreviver, para fazer ela se fortalecer e verificar se na próxima conferência ela realmente vira uma resolução adotada por todos os países”, concluiu.
Após ganhar destaque como uma das principais críticas ao texto final, a ministra do Meio Ambiente da Colômbia, Irene Vélez — que ontem anunciou a formação de uma COP “paralela” para discutir o fim dos combustíveis fósseis — mencionou algumas vitórias da conferência em rápida conversa com a Amazônia Real, na saída da plenária. “É uma vitória o reconhecimento dos povos indígenas como parte importante para a proteção do ambiente, incluindo seus direitos a territórios, sendo eles os maiores cuidadores das florestas”, destacou. Ela também citou a importância do Plano de Ação de Gênero de Belém (GAP).
A Colômbia fez colocações ao documento durante a plenária final, especialmente aos Indicadores Globais de Adaptação (GGA). A representante Daniela Durán González afirmou que o país não estava de acordo com o programa de mitigação tal como apresentado, levando à interrupção da plenária. Nesse ínterim, a própria ministra Vélez aproveitou para publicar em seu perfil na rede social X: “Na plenária final da #COP30, a Colômbia falou com a verdade: nos opusemos a um acordo que ignora a ciência e elimina qualquer referência à necessária eliminação dos combustíveis fósseis. Defender a integridade da Convenção-Quadro de Mudança do Clima e da #COP30 é defender o consenso com a ciência, com os povos e manter vivo o compromisso de 1,5 °C. Não bloqueamos; exigimos que o resultado seja transparente e guiado pelas melhores evidências científicas disponíveis. A Colômbia escolheu a ciência, a vida e a justiça climática.”

Para Anaís Cordeiro, observadora credenciada pelo Comitê Chico Mendes, embora o Mapa do Caminho tenha sido retirado do texto final, “a presidência do Brasil, na plenária, se comprometeu a seguir trabalhando em um mapa para abandonar os combustíveis fósseis e combater o desmatamento, mas isso ficou fora do documento aprovado”, afirma.
Segundo ela, o financiamento também desapareceu completamente do texto, assim como as medidas unilaterais, outro ponto de forte divergência. O que restou foi a menção ao desenvolvimento de um mecanismo de transição justa — proposta da sociedade civil para criar arranjos institucionais que permitam operacionalizar essa transição. “O que ficou definido é que há um mandato para que as partes desenvolvam esse mecanismo”, explica.
Esse processo deverá ocorrer na próxima Conferência de Bonn, reunião anual da UNFCCC que funciona como etapa técnica e preparatória para cada COP. O encontro, realizado em junho na Alemanha, também deve discutir a renovação do mandato do programa de trabalho de transição justa. “Ainda não há clareza sobre como isso vai se materializar na prática. Saímos de Belém apenas com a abertura para discutir o arranjo institucional, considerando que havia países extremamente contrários”, diz.
Apesar das limitações, Anaís percebe algum avanço: “Estamos progredindo no programa de trabalho da transição justa, ainda que não da forma como poderíamos ou desejaríamos.” Para ela, é crucial manter o engajamento da sociedade civil, porque essa agenda “coloca as pessoas no centro” e porque os territórios já demonstram, por meio de suas próprias ações, que soluções para a justiça climática são possíveis e urgentes.

Lideranças indígenas colombianas ouvidas pela Amazônia Real celebraram, por um lado, a grande participação de indígenas no evento — sendo 900 credenciados, o maior número já registrado em uma COP — posicionando a importância dos povos frente às mudanças climáticas e como resposta à crise ambiental. Por outro lado, eles criticaram as reuniões a portas fechadas nas mesas de negociação oficiais, implicando em pouco avanço real das pautas apresentadas pelas suas lideranças.
Fany Kuiru, coordenadora-geral da a Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica), informou que, apesar da alusão à “COP Indígena”, o que houve “foi simplesmente uma participação simbólica indígena”, pois os povos não puderam influir da forma que queriam e esperavam.
A coordenadora-geral da Coica celebrou as propostas apresentadas pela delegação de seu país na COP30, especialmente a declaração que estabelece a Amazônia colombiana como livre de exploração de petróleo e mineração. Para ela, trata-se de um primeiro passo que deveria ser seguido pelos demais países, com o objetivo de, em algum momento, interromper o uso de combustíveis fósseis. Fany se disse curiosa sobre a posição do governo de Lula, que por um lado se declara contra os combustíveis fósseis, mas por outro vai permitir pesquisas para exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
O indígena colombiano Paulo Estrada, do povo Uitoto, departamento do Amazonas, participou da COP30 como parte de um acordo com o governo de Gustavo Petro. Ele esperava um maior compromisso do governo brasileiro, mas avalia que foram os próprios povos indígenas – brasileiros, colombianos e de toda a Amazônia – que pressionaram para serem ouvidos, gerando resultados mais localizados, como a demarcação de terras indígenas no Brasil e a declaração da Amazônia colombiana. Ele lamenta, contudo, a ausência de resoluções em biodiversidade e sinergias, áreas nas quais delegações tentaram aproximar a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), sem sucesso.
A Colômbia apresentou duas declarações: uma que reafirma a Amazônia colombiana como livre de petróleo e mineração, e outra que propõe um caminho de transição para energias alternativas rumo ao fim dos combustíveis fósseis. Estrada afirma que “ambas propostas foram consensuadas e discutidas com os povos indígenas colombianos, e juntos quiseram posicioná-las na COP. Assim conseguimos a cooperação de 17 países”, disse. Para a COP31, ele espera avançar a agenda de “zero combustível fóssil” em articulação com países já interessados e fortalecer a proteção da Amazônia e dos povos indígenas. “Esperamos maior colaboração entre os países latino-americanos e do Sul Global”, afirma.
Estrada afirma esperar que o documento final da conferência traga apoio consistente a uma mudança econômica que enfrente a dependência dos combustíveis fósseis. Segundo ele, a COP30 foi mais corporativa do que edições anteriores, com interesses de empresas e países expostos “de maneira muito clara”, com fortes pressões de nações com economias fortemente baseadas em combustíveis fósseis.
Para Erbai Xavier Matsutaru, Coordenador Nacional de Mudanças Climáticas do governo de Palau, a defesa do 1,5°C é uma questão existencial. Ele representa um pequeno estado insular do Pacífico — um arquipélago de mais de 300 ilhas — que não apenas adotou, em 1979, a primeira constituição antinuclear do mundo, como também criou o Compromisso de Palau, que desde 2017 exige que visitantes assinem no passaporte a promessa de “andar com cuidado” e “proteger as ilhas”.

“Trata-se de reduzir drástica e rapidamente as emissões globais. Estamos por um fio agora. Já estamos em 1,3º” – Erbai Xavier Matsutaru
(Foto: Giovanny Vera/ Amazônia Real).
“Estamos aqui para resgatar o 1,5º. É por isso que a AOSIS colocou a NDC na agenda e participa dessas discussões multilaterais: queremos integrá-la às decisões e construir sobre ela daqui para frente”, disse. Ele destacou que, para os pequenos Estados insulares, a prioridade é mitigar emissões de forma imediata, no âmbito do Programa de Trabalho de Mitigação e Implementação de Sharm el-Sheikh, criado na COP27. “Trata-se de reduzir drástica e rapidamente as emissões globais. Estamos por um fio agora. Já estamos em 1,3º,” afirmoug ele. (Colaboraram Renata D’Elia e Elaíze Farias)
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