Mariana e Brumadinho: é tempo de avançar por reparação integral e soberania popular

05/11/2025

por Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB

Fonte:https://mab.org.br/2025/11/05/mariana-e-brumadinho-e-tempo-de-avancar-por-reparacao-integral-e-soberania-popular/

MAB promove jornada nacional de lutas em busca de reparação integral nos crimes socioambientais, por direitos dos atingidos pelos extremos climáticos e pauta debates na Conferência do Clima, em Belém (PA)

Dia de Luta contra as barragens, em defesa dos rios e da vida. Foto: Nívea Magno / MAB

 

Desde 5 de novembro de 2015, o calendário de lutas das pessoas atingidas no Brasil é marcado por memória, denúncia e mobilizações para não deixar esquecer o crime da Samarco/Vale/BHP na Bacia do Rio Doce.

As mineradoras provocaram 19 mortos e um aborto forçado pela lama, e mais de 800 km de cursos d’água provocam prejuízos e doenças de Mariana (MG) até Regência (ES), passando pelo litoral norte do Espírito Santo até o extremo sul da Bahia (Nova Viçosa, Alcobaça, Mucuri, Prado e Caravelas). Em 2019, fomos novamente atingidos pela Vale, que em 25 de janeiro matou 272 pessoas e poluiu o Rio Paraopeba atingindo 26 municípios.

Nestes 10 anos, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realiza em Mariana e Brumadinho, em toda a Bacia do Rio Doce – no litoral capixaba e baiano – e na Bacia do Rio Paraopeba, o trabalho cotidiano de acompanhamento e organização das famílias, promovendo a autonomia e o protagonismo que enfrenta a injustiça dos governos, do poder judiciário e das mineradoras, ao mesmo tempo em que apresenta propostas para a resolução dos problemas com participação popular.

Em 2025, as ações do 05 de novembro fazem parte de mais uma Jornada Nacional de Lutas, que começou no dia 24 de outubro, no Rio Grande do Sul, segue no IV Encontro Internacional de Comunidades Atingidas por Barragens e Crise Climática em Belém (PA) – dos dias 07 a 12 de novembro -, tem sequência na Cúpula dos Povos, relacionada à 30ª Conferência das Partes (COP 30), também em Belém, e finaliza nos dias 27 a 29 de novembro no Encontro de 10 anos do MAB no Espírito Santo, em Vitória (ES).  A Jornada Nacional segue em 2026, no dia 25 de janeiro, marco de 7 anos do crime da Vale em Brumadinho e 14 de março, Dia Internacional de Luta Contra as Barragens, pelos Rios, pela Água e pela Vida.

Bacia do Rio Doce: uma nova fase da luta por reparação integral

Ato político e Inter-religioso – Revida Mariana. Justiça para Limpar essa Lama – em novembro de 2023. Foto: Marcelo Aguilar / MAB

Repactuação do caso Rio Doce, processo de negociação entre governos, empresas e instituições de justiça com a mediação do poder judiciário, é o marco do novo momento de luta dos atingidos pelo rompimento em Mariana. Homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 6 de novembro de 2024, o acordo transferiu as responsabilidades pela reparação prioritariamente para o Estado brasileiro. Os governos federal, estaduais e municipais receberão mais de R$ 70 bilhões, em 20 anos, para promover ações de reparação.

O Movimento avalia que, apesar das insuficiências do acordo já amplamente apresentadas, a Repactuação abre um novo ciclo de oportunidades de conquistas coletivas, fortalecimento da organização social e ampliação da luta pela superação dos problemas que o acordo não alcançou. Abaixo, destacamos algumas questões que são tema da luta desta Jornada Nacional:

– Apesar dos esforços do governo federal e das muitas mobilizações realizadas, não houve participação popular na execução do acordo. O poder judiciário, pressionado pelas empresas, não abriu espaço para os atingidos. Agora, a criação do Conselho Federal de Participação Social da Bacia do Rio Doce apresenta uma oportunidade de pautar a participação popular na execução, monitorando a implementação e deliberando sobre o Fundo Popular dos projetos comunitários, que era parte da pauta do MAB na negociação. Embora o Conselho seja um avanço, entendemos que ainda há limites e que é preciso buscar formas de ampliar a participação popular dos atingidos e atingidas.

No âmbito estadual, Romeu Zema (Novo) viola os direitos dos atingidos, criando uma “instância mineira” sem organizações sociais e com um número reduzido de lideranças de alguns territórios que terão reuniões apenas de caráter informativo.

Do lado do Espírito Santo, o governo do estado criou a Secretaria de Recuperação do Rio Doce, órgão responsável por implementar medidas de reparação de responsabilidade estadual. Entende-se que a criação de um órgão para a reparação é um avanço e também demanda do MAB. Cabe ainda aprofundar o diálogo com o MAB para acolher a pauta de reivindicações do movimento e construir formas de participação popular para acompanhar e participar da execução da reparação a nível estadual.

– A aprovação de recursos para investimento em ações coletivas, como o Programa de Transferência de Renda (PTR), saúde, assistência social, recuperação econômica, educação e tecnologia, pesca e meio ambiente foi uma conquista direta das muitas mobilizações realizadas.

Agora, é tempo de acelerar a implementação dos recursos para que eles cheguem nas famílias atingidas e produzam um processo com fases de curto, médio e longo prazo de um Plano Popular de Desenvolvimento, que reative os ciclos econômicos regionais; combata a vulnerabilidade social e a insegurança alimentar; promova ações para formação continuada das pessoas atingidas, gerando oportunidades de trabalho e renda e; fortaleça a presença das organizações sociais nas comunidades.

– É preciso avançar em uma ação coletiva robusta para resolver o problema da moradia. 10 anos depois, os reassentamentos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira não estão concluídos e centenas de famílias em Barra Longa vivem em permanente insegurança, porque suas casas não foram reformadas e estão interditadas; os aluguéis estão em valores impagáveis e continuam os problemas nas casas com trincas provocadas pelos caminhões da Fundação Renova.

É hora de uma ação coordenada que resolva este problema e coloque para Barra Longa, Rio Doce, Mariana e para toda a Bacia do Rio Doce e litoral capixaba e baiano um programa de erradicação do déficit habitacional urbano e rural, como uma compensação coletiva na Bacia pelos muitos danos provocados nesta década de crime.

– Passados 10 anos, ainda não confiamos na água que chega nas torneiras e que usamos para agricultura e pecuária. Os programas anteriores de captação alternativa não foram totalmente implementados e continuam sendo propostas que não resolvem os problemas. Precisamos de ações de curto, médio e longo prazo, que utilizem recursos dos diferentes fundos coletivos de forma coordenada para levar água de qualidade para as famílias com diferentes tecnologias, melhorias sanitárias em massa e um efetivo programa de saneamento que priorize a ação do setor público.

– Água tem tudo a ver com saúde. Multiplicam-se os adoecimentos, muitos com gravidade ou que o Sistema Único de Saúde (SUS) não consegue tratar. É hora de continuar fortalecendo o sistema público, promovendo ações de longo prazo de formação continuada e participação, como os Vigilantes e Agentes Populares em Saúde, além de pesquisas que monitorem os danos continuados e não indenizados que atingem a população.

– Apesar das importantes conquistas dos Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) na Repactuação do Rio Doce, muitas comunidades – inclusive algumas reconhecidas oficialmente pelo estado brasileiro – foram excluídas. É preciso atuação dos responsáveis pelo acordo para inclusão destas comunidades não reconhecidas, bem como foco nas políticas de moradia, acesso à água, regularização fundiária, demarcações, etc, para que ninguém tenha o direito violado.

Essas ações também precisam contemplar regiões inteiras com grande população tradicional como o Extremo Sul da Bahia – Nova Viçosa, Alcobaça, Mucuri, Prado e Caravelas -, onde cerca de 18 mil pessoas da cadeia da pesca foram prejudicadas e não reconhecidas pelas empresas e o Estado brasileiro.

De Mariana a Brumadinho: dois crimes, uma luta em comum

Ato pelo nove anos do crime de Mariana. Foto: Nívea Magno / MAB

A luta pelo reconhecimento dos direitos das pessoas atingidas pelos rompimentos e pela garantia de execução do que foi conquistado, é pauta comum entre as bacias do Rio Doce e Paraopeba, em Minas Gerais.

Na região atingida pelo crime de rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, ocorrido em 25 de janeiro de 2015, a população segue revoltada com a falta de reparação pelos danos causados pela Vale e com a atuação das instituições de justiça. Nossa pauta de luta é composta por:

1 – Pagamento imediato do “Auxílio Emergencial” pela mineradora Vale:

Até o mês de outubro de 2025, mais de 160 mil pessoas atingidas de toda a Bacia do Paraopeba recebiam um valor mensal, sendo meio salário-mínimo até janeiro de 2025, e após janeiro 1/4 de salário-mínimo. O atual Programa de Transferência de Renda (PTR), que funciona como uma medida de mitigação enquanto a reparação não é concluída, foi encerrado. Por enquanto, a reparação está longe de ser concluída.

O argumento é que se esgotou o recurso definido para ele, em 2021, no acordo entre Vale, Ministérios Públicos, Defensoria Pública e Governo de Minas Gerais.  Apenas 10% da população foi indenizada, rio e solo continuam contaminados e sem poderem ser utilizados, ampliando o ciclo de vulnerabilidades, como adoecimento físico, psicológico e social. Além disso, os projetos comunitários de reparação coletiva estão previstos para serem iniciados somente em 2026.

Portanto, é evidente que a reparação não caminhou suficientemente para haver suspensão de medidas de mitigação. A Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) Lei 14.755/2023 – garante em seu texto o direito ao Auxílio Emergencial nos “casos de acidentes ou desastres, que assegure a manutenção dos níveis de vida até que as famílias e indivíduos alcancem condições pelo menos equivalentes às precedentes”. Diante da degradação da condição de vida das populações atingidas e com fim do PTR, recurso que era majoritariamente utilizado para adquirir alimentos e remédios, as mazelas sociais já são observadas nos 26 municípios atingidos pelo rompimento.

Dessa forma, os manifestantes exigem a imediata aplicação da lei da PNAB e o atendimento da Vale para pagar o auxílio emergencial. A população também destaca que, desde março deste ano, tramita uma ação na justiça solicitando esse direito, que já teve decisão favorável em primeira instância e a Vale arrasta o processo com recursos a fim de atrasar a chegada do direito aumentando o sofrimento do povo.

2 – Direito à Assessoria Técnica Independente escolhida pelas comunidades atingidas

Esse é outro direito garantido pela PNAB e pela Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEAB) – Lei nº 23.795, de 15/01/2021. No momento, a população atingida de sete municípios (Brumadinho, Mário Campos, Betim, São Joaquim de Bicas, Igarapé e Juatuba e Mateus Leme com PCTRAMA), cerca de 70% da população atingida, está tendo esse direito violado por parte dos Ministérios Públicos e Defensoria Pública de Minas Gerais (Instituições de Justiça). Órgãos que deveriam defender as pessoas atingidas estão removendo, de forma arbitrária e sem consulta às Instâncias Regionais que representam as comunidades  atingidas, sem respeito aos protocolos de consulta dos Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs), a entidade que presta o serviço nesses municípios. Essa ação se deu após as Instituições de Justiça imporem um corte de 61% para atuação da ATI Aedas nas Regiões 1 e 2, e definição de um valor para o prosseguimento do trabalho de execução do Anexo I.1 nos próximos dois anos, que é insuficiente para garantia da participação na governança do Anexo I.1e sem isonomia em relação aos demais municípios da bacia.

As decisões das Instituições de Justiça, além de desrespeitar  o Direito das Pessoas, expressa em carta em reunião com representes das Instâncias regionais nas Regiões 1 e 2, também fere as resoluções do encontro de Bacia, em especial a resolução 45 sobre o início dos projetos que define que “Todas as regiões executarão as ondas de simultâneamente (…)”. Leia aqui a carta.

Dessa forma, os Ministérios Públicos e a Defensoria Pública atrasam ainda mais o processo de reparação, causando prejuízos na vida das pessoas, além da perda vultosa de recursos, que se somam às perdas por um atraso de quatro anos provocado por elas para início da reparação socioeconômica.

Diante dessa situação, os manifestantes exigem o respeito à escolha da população e a permanência da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), entidade que presta o serviço para a população nos referidos territórios há quase seis anos. Além da liberação do recurso necessário para o trabalho de forma isonômica e com a devida qualidade.

3 – Condições para as pessoas atingidas participarem da gestão dos projetos de demandas das comunidades (Anexo 1.1)

Uma importante parte da reparação dos danos causados pela Vale são os projetos de demanda das comunidades, conhecidos como Anexo 1.1, por causa de sua denominação no acordo assinado em 2021. Essa é a única fração da reparação que contará com a participação efetiva da população atingida. Para isso, está sendo construída uma governança através de conselhos formados pelas pessoas das comunidades atingidas. Uma pauta antiga dessas comunidades é a garantia de condições para que esses conselheiros possam participar das reuniões de conselhos através do pagamento de diárias pelos dias de atuação.

Já que a participação é voluntária, essas diárias são importantes para compensar as horas de trabalho perdidas no empenho das tarefas comunitárias. Porém, no dia 21 de outubro, os Ministérios Públicos e Defensoria Pública negaram o atendimento dessa pauta, com a argumentação de que existem algumas leis que impedem esse tipo de pagamento. A decisão foi tomada mesmo com a existência de um estudo realizado pela entidade gestora do anexo 1.1, que afirmava a possibilidade técnica do pagamento. Diante disso, os manifestantes exigem a liberação do pagamento de diárias para compensar as participações de conselheiros e conselheiras nos espaços formais de representação do anexo 1.1.

Reafirmamos que neste dia 05 de novembro, após 10 anos de um grave crime socioambiental cometido pelas empresas Samarco/Vale/BHP, e quase 7 anos do crime da Vale, seguimos em luta para garantir uma reparação justa e integral a cada atingido e atingida. Continuaremos a organizar o povo atingido em cada canto da Bacia do rio Doce, do Litoral Capixaba e Baiano, da Bacia do Paraopeba e da represa de Três Marias, realizando lutas para garantir direitos.

Mariana e Brumadinho: é tempo de avançar por reparação integral e soberania popular!

Print Friendly, PDF & Email