Após duas décadas de luta, Brasil institui Plano Nacional de Proteção a Defensoras/es de Direitos Humanos

06/11/2025

Fonte:https://terradedireitos.org.br/noticias/noticias/apos-duas-decadas-de-luta-brasil-institui-plano-nacional-de-protecao-a-defensorases-de-direitos-humanos/24264

Publicação do Decreto nº 12.710 consolida conquista histórica de organizações e movimentos sociais que reivindicam política de Estado para proteger quem defende direitos

Foto: Agência Brasil
Foto: Agência Brasil

Foi publicado nesta quinta-feira (6), no Diário Oficial da União, o Decreto nº 12.710, que institui o Plano Nacional de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (Plano DDH). O documento representa um marco na trajetória de mais de duas décadas de luta, mobilização e reivindicação de movimentos populares e organizações sociais pela consolidação de uma política pública voltada à garantia do direito de lutar e à proteção da vida de quem atua na defesa dos direitos humanos no Brasil.

O Plano tem como objetivo fortalecer a atuação articulada e coordenada do Estado na criação de políticas, programas, iniciativas e ações que assegurem a proteção integral de defensoras e defensores de direitos humanos nos âmbitos individual, coletivo e territorial.

Sob coordenação do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), o Plano prevê ainda a cooperação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, além de reafirmar a importância da participação da sociedade civil na formulação, implementação e monitoramento das políticas públicas. São reconhecidos como defensoras de direitos humanos pessoas, grupos, comunidades, comunicadores e ambientalistas que promovem e defendem os direitos humanos.

 “A publicação do decreto é um passo muito importante para colocar na ordem do dia a responsabilidade do Estado Brasileiro com os defensores e defensoras de direitos Humanos. Nós lutamos por 20 anos para que a política pública tivesse muito mais consistência do ponto de vista dos marcos legais, mas principalmente os compromissos políticos do Estado brasileiro com as pessoas que lutam por direitos”, afirmou Darci Frigo, coordenador executivo da Terra de Direitos, que contribuiu com a construção do texto que deu base para o Plano DDH.

O Plano tem como princípios orientadores: a integralidade dos direitos humanos, a participação social e democrática, a proteção da vida e dos direitos humanos, o repúdio à violência institucional e o enfrentamento à discriminação, que refletem e reconhecem o acúmulo histórico de lutas de defensoras e defensores que enfrentam, cotidianamente, ameaças, perseguições e assassinatos em todo o país.

Sandra Carvalho, do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos — articulação que reúne diversas organizações da sociedade civil e movimentos sociais e atua, desde 2004, na proteção a defensoras e defensores e na incidência por uma política nacional de proteção — destaca a importância deste momento para a defesa dos direitos humanos no país.

“O decreto é um passo muito importante para fortalecer a proteção de defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil e reconhecer o papel fundamental que exercem no fortalecimento da democracia. Fruto de muita luta da sociedade civil, o Plano avança ao priorizar também a proteção coletiva”, ressalta. Isso porque as organizações defendem o extrapolamento do conceito de defensor reservado à um indivíduo. Na avaliação das organizações – e presente no Decreto – é também dever do estado brasileiro proteger coletividades, como um assentamento de trabalhadores, territórios quilombolas ou uma aldeia indígena, que estão expostos a contextos de violência em razão de defenderem seus direitos.

Marco histórico das políticas de proteção

A publicação do Plano Nacional marca um processo de construção coletiva de muitos anos protagonizado por movimentos populares, organizações sociais e defensores e defensoras de direitos humanos, que teve como um dos momentos centrais a instituição do Grupo de Trabalho Técnico (GTT) Sales Pimenta, em junho de 2023. O colegiado foi instituído em resposta à condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo assassinato do advogado e defensor Gabriel Sales Pimenta, ocorrido em 1982, e à decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região de 2017, que determinou a elaboração de um plano nacional de proteção.

De composição paritária, o GTT reuniu representantes de movimentos sociais, organizações – entre elas a Terra de Direitos – e o Governo Federal em um trabalho coletivo de mais de um ano, que resultou no texto que fundamentou o decreto do Plano DDH.

documento foi entregue ao Ministério de Direitos Humanos e Cidadania em dezembro de 2024, após um extenso processo participativo que incluiu cerca de 50 escutas públicas online e presenciais em diversos estados do país. O documento final apresentado ao governo continha a consolidação de diagnósticos, propostas e reivindicações de defensores e defensoras que participaram das escutas.

Ato de entrega do Plano DDH ao Ministério de Direitos Humanos e Cidadania em dezembro de 2024. Foto: Lizely Borges
Ato de entrega do Plano DDH ao Ministério de Direitos Humanos e Cidadania em dezembro de 2024. Foto: Lizely Borges

Desafios e perspectivas 

O Plano DDH deve agora ser publicado na íntegra por meio de uma portaria do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania conjunta com outros ministérios para regulamentação das ações e instituição do Comitê de Implementação, Monitoramento e Avaliação do Plano Nacional. Além disso, o relatório final elaborado pelo GTT Sales Pimenta deu origem na minuta do Anteprojeto de lei que deve consolidar a Política Nacional de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos como uma política de Estado, como ressalta Frigo.

“Existe a necessidade de o governo encaminhar ao legislativo uma mensagem com a proposta de lei que dá mais força a política de proteção. O projeto de lei já está na Casa Civil e agora precisa ser encaminhado ao Congresso para ser analisado e aprovado”, afirmou.

O desafio agora é transformar o Plano em instrumento efetivo de proteção e prevenção à violência, com articulação interministerial e participação ativa da sociedade civil. A criação de um mecanismo legal permanente e de um fundo específico de financiamento são pautas centrais dos movimentos que há anos denunciam a omissão do Estado diante da escalada de ameaças e assassinatos.

“Durante a construção do Plano Nacional debatemos sempre que era necessário, desde logo, o Ministério se reestruturar com equipe e orçamento para dar conta da demanda de atendimento às situações de defensores e defensoras de direitos. Então é preciso que melhore significativamente a qualidade do atendimento e a proteção aos defensores e defensoras de direitos humanos, agora com esse plano, que reconhece também a necessidade de proteção coletiva. Então a gente tem esse e outros desafios a serem enfrentados na implementação da política”, conclui Frigo

Intensa violência 

O país vive um preocupante contexto de violência contra quem defende direitos humanos. Levantamento realizado pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global revelam que a cada 36 horas, uma pessoa é vítima de violência por defender direitos humanos no Brasil.

O estudo Na Linha de Frente — Violência contra Defensoras e Defensores de Direitos Humanos no Brasil (2023–2024), lançado em em agosto deste ano mapeou 318 episódios de violência contra defensores nos anos de 2023 e 2024, que resultaram em 486 vítimas — sendo 364 pessoas e 122 coletivos, como comunidades inteiras, movimentos sociais e organizações.

Entre 2023 e 2024, foram identificados 55 assassinatos, 96 atentados à vida, 175 ameaças e 120 episódios de criminalização apenas nos dois primeiros anos do atual governo. Entre os 486 casos de violência mapeados entre 2023 e 2024, 80,9% foram contra quem atua na defesa ambiental e territorial, ou seja, justamente aquelas e aqueles que enfrentam diretamente os impactos da crise climática. Lideranças indígenas, quilombolas e camponesas estão entre os principais alvos.

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