PA OZIEL ALVES

06/11/2009

 

No Projeto de Assentamento (P.A) Oziel Alves vivem quarenta e oito famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais desde 1996, ano em que a área de 1.948  hectares foi legitimada. Mas a conquista desta fazenda deu-se no ano de 1964 quando o governo federal definiu a destinação da área para os devidos fins sociais no processo de reforma agrária.
 
A história da conquista da fazenda é narrada por lideranças do MST que descrevem como vivem e se organizam para manter uma vida digna e fortalecer a luta pela reforma agrária em nosso país.
 
 
INTRODUÇÃO
 
A fazenda do Ministério foi desapropriada em 1963, como parte do projeto de reforma agrária do governo que nesta época desapropriava as áreas às margens rodovias federais e as destinava para a formação de assentamentos. A posse da propriedade seria feita em 1964 pelo Ministro da Fazenda que veio a Belo Horizonte. Entretanto, exatamente neste dia, ele foi informado de que as tropas militares estavam no Rio de Janeiro. Desta forma, devido ao golpe militar, ele retornou para Brasília, sem efetivar a posse. Os fazendeiros de Governador Valadares, com muitos pistoleiros, derrubaram o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Houve muitos feridos e algumas mortes por bala. Desde então, por quase vinte anos, não se falou mais em reforma agrária e toda tentativa de luta pela terra, aqui na região, era reprimida.
 
Somente em 1993 é que a luta foi retomada na região com a ocupação de terra no coordenada pelo o MST no município de Tumiritinga. Em 1994, acontece a primeira ocupação na fazenda Ministério, hoje reconhecida como P.A Oziel Alves.
 
A conquista do assentamento demorou mais dois anos para ser concretizada. Foram duas ocupações e dois despejos. Em 1996 realizamos uma Marcha até Belo Horizonte para reivindicar o nosso assentamento. Na nossa chegada à capital, houve repressão muito violenta por parte da polícia militar que deixou vários feridos. Um padre foi enforcado e jornalistas tiveram os seus equipamentos quebrados. Como a violência teve uma repercussão muito negativa , o governo do estado resolveu fazer a entrega da fazenda aos trabalhadores e trabalhadoras rurais.
 
Não foi preciso a desapropriação. O que aconteceu foi uma série de repasses dessa terra. Repasse, de volta, do estado para o Ministério da Agricultura, que repassou ao INCRA, que repassou aos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Em 23 de agosto do ano de 1996, a fazenda foi, finalmente, entregue aos trabalhadores e trabalhadoras rurais. E criou-se o assentamento Oziel Alves.
 
O nome de nossa fazenda é uma homenagem ao companheiro Oziel Alves, que foi assassinado em 1986 no massacre de Eldorado dos Carajás. No mesmo dia de nossa marcha a Belo Horizonte.
 
 
A OCUPAÇÃO
 
 
A primeira ocupação na fazenda Ministério aconteceu com duzentas famílias vindas de diversos municípios do Vale do Rio Doce. Ela só aconteceu graças a um intenso trabalho de base feito no vale do Rio Doce. Em Governador Valadares era difícil articular a luta pela reforma agrária e por isso não fizemos nenhuma ação de mobilização aqui. Hoje somos em 48 famílias no assentamento.
 
Nessa época não havia o destaque de lideranças no MST. Foi o sindicato dos trabalhadores rurais que contribuiu bastante. Pessoas que estavam na direção do sindicato hoje são assentados nesta fazenda. E os atuais diretores do sindicato dos trabalhadores rurais também estão assentados aqui.
 
A produção para subsistência não era o suficiente. Produzíamos milho, feijão, arroz e hortaliças. O restante era conseguido com doações da Igreja Católica, Metodista, do sindicato dos trabalhadores rurais além do apoio da sociedade.
 
Éramos duzentas famílias, trabalhando em grupos, num processo de luta permanente e de perseguição. A gente se organizavam para nos proteger e trabalhando junto. Mas é natural a desistência nos acampamentos devido a estas condições de vida e a espera na incerteza. Por isto, restaram na ocasião da legitimação as quarenta e oito famílias que resistiram no acampamento. Exatamente a quantia possível. Não houve excedentes como em outros assentamentos.
 
 
DESPEJO E CONQUISTA
 
Na hora da ocupação e do despejo, é a hora de se ver a força do apoio das entidades e das pessoas da cidade. Diante de qualquer dificuldade, é deles que vem a ajuda. As mulheres são poucas no início da ocupação. Poucas, mas são elas, na hora da ocupação, que seguram firme e ajudam a brecar a violência que nos ataca. As mulheres e as crianças.
 
Nos despejos que sofremos íamos para a estrada, acampados ao lado da Fazenda. Foram longos os períodos na estrada, coisa de dois anos. Foi diminuindo o número de famílias do acampamento. Ficávamos na beira da estrada e trabalhando, em grupos, dentro da fazenda.
 
Chamavam a polícia, a gente saia e ia para estrada. A polícia saía e a gente voltava. Era esse vai e volta, várias vezes ao dia. Até que eles desistiram. Nosso sustento alimentar só era possível por este trabalho diário para produção.
 
Na verdade, foi um ano e nove meses na estrada. A decisão de ocupar novamente era do desejo do grupo já. No dia do despejo, muita gente com farda, à cavalo, mostrando vitória. Colocaram banda de música tocando alto! Armamento pesado! Uma fila enorme no asfalto. Estavam vitoriosos! Jogavam bala sobre nós e as crianças, como se fosse uma festa! Chateadas e revoltadas voltamos para os barracos na estrada, arrasadas, não éramos mais as mesmas. Saímos da grota.
 
Daí, a nossa opção seguinte foi de, ao invés de entrar de novo na terra, fazer a caminhada até Belo Horizonte. Padre Pedro seguiu conosco. Os policiais não podiam ver o padre, que viravam bichos. Agredindo e insultando de toda forma. Na entrada de Belo Horizonte queriam as nossas ferramentas e não quisemos dar. Foram tomar de nossas mãos, a força, e houve o conflito. Muita gente machucada e morte por bala. Foi assim que conseguimos. Sempre assim. Parece que precisavam dar a violência antes de nos dar o que é de direito de se dar. Parece que eles tem essa necessidade.
 
Quando houve o repasse da área para as famílias, o governo do estado tinha criado um grupo especial que chamava CORA, para fazer a liberação das terras. Na época, sob a batuta de João Batista, que veio proceder a entrega da área. Daí construímos um acampamento dentro da área.
 
 
UM ANO DE CONSTRUÇÕES
 
Vieram os créditos para a Habitação. Passamos um ano acampados, em barracos, dentro de nossa terra, construindo as nossas casas.
 
Rede de esgoto, eletrificação provisória, água. O assentamento tinha uma mina de água só para abastecer todas as famílias. A solução para servir a todos foi racionar. O controle de gasto ia da consciência de cada um, sabendo que não podia haver desperdícios e que a água era pouca.
 
Uma agrovila foi a organização definida para as moradias. Todas as casas foram construídas próximas umas das outras para facilitar a logística e as construções. Fizemos os projetos das casas com estudantes da Faculdade de Uberlândia – UFU. Os alunos apresentaram três propostas de casa, com aproximadamente noventa metros quadrados de área. Cada assentado escolheu o seu modelo de casa. Éramos o único assentamento com rede de esgoto e coleta de lixo. Estas vantagens não aconteciam só porque nos organizamos como agrovila mas também devido à nossa proximidade com a cidade.
 
A demarcação das áreas só saiu depois da liberação do crédito. Como já tinha a definição de moradias em agrovilas não houve problema causado pelo fato de o dinheiro sair antes da demarcação.
 
A produção existia em coletivo e também em lotes individuais. Foi demarcado assim também. Mas o coletivo foi dissolvido quando houve a demarcação. Durou de 1996 até mais ou menos 2000. Hoje não temos produção coletiva mais.
 
 
ORGANIZAÇÃO E PRODUÇÃO
 
 
A organização interna do assentamento foi por afinidade e proximidade de casas. Cada grupo apresenta uma coordenação. A associação é totalmente dependente da coordenação dos grupos. Desta forma evitamos a centralização de decisões na diretoria da associação. Quem decide são os coordenadores. Cada qual discute com o seu grupo antes de reunir com os demais coordenadores.
No assentamento não existe uma linha única de produção. Organizamos um grupo de produção coletiva, mas que se dissolveu. Durou cinco anos,. Depois de cada qual em sua terra foi enfraquecendo. Para isso não acontecer depende é de quem está à frente do grupo. Não pode ter a cabeça no individual. Produz-se aqui, no individual, leite e gado, arroz, feijão, hortaliça. Toda venda é realizada também de forma individual, aqui mesmo na região.
 
Nós mulheres, toda vida, defendemos o trabalho coletivo. Juntos conseguimos mais, somos fortes. As mulheres que tocavam a horta comunitária são as que agora estão tocando o projeto da padaria. A construção já está em andamento, sendo junto. O dinheiro para construir foi pedido aqui e ali, para compra do material de construção. Igreja, estado e MST ajudando.
 
O apoio técnico agropecuário no assentamento, atualmente, é realizado por um técnico agrícola e um veterinário. Os dois profissionais são disponibilizados pelo INCRA, em um convênio com a AESCA. Recebem um recurso repassado pelo INCRA, como funcionários da AESCA. São técnicos que trabalham pela AESCA para vários assentamentos ao mesmo tempo. Passam um tempo aqui com a gente e depois vão para outros grupos. Costumam ficar aqui uma vez por mês. O pessoal do curso de Agronomia da Universidade federal de Uberlândia também fornece algum apoio.
 
Fora a produção, temos aqui um trabalho conjunto, que funciona regularmente, nas ações comuns aos assentados que são as limpezas, as podas, os cuidados em manter o assentamento. O trabalho acontece de quinze em quinze dias, com a comunidade toda envolvida. Cada grupo com o seu coordenador.
 
 
A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DENTRO E FORA DO ASSENTAMENTO
A FORÇA DOS JOVENS E DAS MULHERES
 
 
O Centro de Formação é apontado como uma grande conquista do MST e orgulho do assentamento. As lideranças descrevem como ponto forte do assentamento as confraternizações do grupo; as atividades de formação política que envolvem grupos internos e externos; a atuação dos jovens e a diversidade de ações no assentamento.
 
Aqui na fazenda construímos um Centro de Formação. Iniciamos a construção em parceria com o governo do estado, na época do Itamar. A obra foi concluída há pouco tempo atrás. A parceria foi para reformar as construções existentes na fazenda sede. Lá temos um auditório e três salas. O Centro de Formação foi construído para reuniões, encontros, cursos da militância. É aberto também para outras entidades e movimentos. Um projeto maior apresenta ainda cozinha, refeitório e alojamento.
 
Neste Centro realizamos os eventos festivos, as datas comemorativas da luta pela terra. No dia 23 de agosto, por exemplo, festejamos a conquista do assentamento. No dia das mulheres debatemos o caminho da luta pela conquista de seus direitos.
 
A inauguração do Centro foi o momento mais importante para mim. Um espaço nosso doado para o nosso movimento. Foi desejado há muito tempo pelo MST e o assentamento cedeu. Repassou a área da sede da fazenda e as construções para o movimento.
 
Outra área importante para nós é a quadra de esporte construída pela prefeitura. Tem uma pista de argolinha que é um esporte que apreciamos muito aqui.
 
Valorizamos muito a participação e a formação de nossos jovens e crianças. As crianças estudam aqui dentro da Fazenda, do pré até a quarta série. Da quinta série até o terceiro ano, vão para uma escola no bairro da cidade. Quando chegam para a escola pública, sentem dificuldade. Por que é bem diferente. Tudo que ensinamos aqui, dentro do assentamento, é ligado na nossa realidade e ao que está acontecendo no momento, tanto no estado quanto no mundo. Na escola publica são coisas de livros, longe da nossa realidade.
 
O grupo de mulheres que está iniciando a construção para a padaria é formado por jovens e crianças também. Na verdade, o grupo de mulheres formado para organizar a produção é um grupo de meninas e jovens participando com os adultos. São os jovens de 13 a 16 anos que estão levantando mais a bandeira e colocando o assentamento para frente.
 
Essa discussão de retomada do trabalho coletivo com todas as mulheres (crianças, jovens e adultas) teve início em março. Época dos debates de “comemoração” do massacre das 129 mulheres que foram queimadas em uma fábrica de tecidos, quando tingiam os tecidos de lilás. Teve também outro acontecimento com mais 150 costureiras queimadas. A indignação, com a discussão do assunto, fez com que a gente resgatasse a força por direitos e conquistas. Em março, indignadas, resolvemos tocar o grupo para frente. Cabe a nós continuar esta luta para defender nosso espaço e nossos direitos.
Precisavam morrer? A gente acredita que para resolver os problemas, não precisa morrer gente. Nossos governantes podiam resolver as questões sem depender de morte para conseguirmos nossos direitos.
 
Não temos um trabalho conjunto com muitas entidades. Um processo bastante interessante que vivenciamos aqui é o estágio de vivência. É o momento em que acontece uma importante troca de experiências entre alunos de Agronomia e trabalhadores e trabalhadoras rurais do assentamento. Esse trabalho é importante porque o contato com a pequena produção, com a agroecologia e com os processos alternativos de produção agropecuária é muito restrito no processo de formação acadêmica na área de Agronomia.
 
O estágio é importante para estes alunos porque mostra uma prática de produção da agricultura familiar que não é valorizado na faculdade. Mas é importante para os assentamentos também. O assentado precisa de assistência técnica e o estado não oferece o bastante. Escolhemos os alunos que estão iniciando o curso, sem ter ainda a “bitolação” em uso de produtos químicos. Eles assimilam um pouco da nossa proposta de trabalho e nós sabemos com quem contar no futuro.
 
Para essa vivência acontecer, todo o trabalho é coordenado pela Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB). A Federação é que acompanha o percurso dos alunos e avalia o compromisso deles com as questões sociais. O tempo da vivência é definido pela liberação que os alunos conseguem nas aulas da faculdade. Todo o contato tanto nosso quanto dos alunos é feito via FEAB. A experiência motiva os alunos a conseguir emprego e nós, assentados, priorizamos estes profissionais que já tem conhecimento do assentamento.
 
A PROXIMIDADE do P.A. com A CIDADE – PRÓS E CONTRAS
 
Estamos a dez minutos de carro da rodoviária, a trezentos metros da rodovia 116 e a duzentos metros de outra rodovia. Esta proximidade apresenta prós e contras para o assentamento. A facilidade de acesso facilitou na questão da infra-estrutura que construímos como a luz, o esgoto,e a escola. Também facilita nas vendas individuais de produção. Mas tem os contras também. Com a proximidade temos problema de roubo de gado aqui, todo ano, na época das festas de fim de ano. Somem daqui um ou dois animais que são usados para churrasco. Gente de fora, provavelmente da cidade, vem e rouba.
 
Outra questão problemática com os jovens aqui do assentamento foi o envolvimento com gangues, bandidos e violência. Tivemos o caso em três famílias. Um jovem daqui de dentro foi assassinado voltando da escola. Foi preciso expulsar do assentamento duas, destas três famílias. A comunidade indicou outras famílias para ocupar as duas vagas e, em votação, decidiu quais seriam as duas novas famílias no assentamento.
 
 
 
 
PERSPECTIVAS
 
 
Há perspectivas de avanço na produção. Trabalhar forte na recuperação de pastagem para trabalhar mais o leite e também focar no peixe. Estamos pensando em adquirir uma máquina para limpar arroz, uma fábrica de farinha e beneficiamento de cana. São linhas de atividades que queremos implantar em trabalho coletivo.
 
Outra recente iniciativa é uma parceria que está sendo formalizada entre o grupo de mulheres e uma entidade da Espanha. A proposta é para implantar uma padaria aqui dentro e um salão de beleza. Há mais de dois anos estamos tentando estabelecer um trabalho em grupos. Acredito que a padaria vai ser um exercício para fortalecer estas outras propostas.
 
Fora a produção, nossos jovens são nosso futuro. São poucos os que não participam das discussões. Três jovens aqui do assentamento fazem Medicina em Cuba dentre as cinco pessoas selecionadas para o curso em Minas Gerais.
 
 
LIÇÕES
 
Aprendi na trajetória deste assentamento e do movimento, que com a participação e consciência tudo se resolve! Não houve obstáculo que não se venceu com este grupo aqui. Todos neste assentamento sabem o que se passa, e participam ativamente das decisões.
 

Estou no movimento desde 1988 com meus familiares. Vim menina pequena com minha família, criança de cinco anos. Muitos anos eu passei nesta luta admirável! Tenho o movimento como pai. O trabalho de base e o contato diário com as pessoas que viveram nas favelas sob o mando do patrão foi uma grande lição. Depois que elas não estão mais nesta realidade, elas saem livres, para sua produção e criação de seus animais. A luta é indescritível e inacreditáv

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