Com níveis recordes de desmatamento na Amazônia, após a queda do governo democrático, em Maio de 2016, o Brasil amarga, agora, uma nova marca. O cerrado acumulou 1,9 milhão de hectares desmatados entre agosto de 2013 a julho de 2015, o equivalente a 1,7% da vegetação nativa remanescente. Apenas em 2015, uma área de 9.483 km² do cerrado brasileiro foi devastada.

(Fonte: Correio do Brasil / Foto: Vermelho).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O ritmo de desmatamento do bioma foi cinco vezes mais rápido que o medido na Amazônia, que perdeu, no mesmo período, 0,35% de vegetação nativa remanescente. A análise foi feita pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) com base nos dados do governo federal, que divulgou em seu site os primeiros números do monitoramento por satélite realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Sem monitoramento

Professora e pesquisadora, Elaine Silva, geógrafa do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA) da Universidade Federal de Goiás (UFG), lamenta a defasagem dos dados oficiais sobre o cenário do desmatamento no cerrado. A pesquisadora participou do último mapeamento da situação do bioma intitulado TerraClass Cerrado em 2015. A pesquisa reuniu universidades federais, o Inpe, a Embrapa e o Ibama. Como resultado, os pesquisadores propuseram um monitoramento anual do cerrado, nos mesmos moldes do que é feito na Amazônia desde os anos 1980.

“Terminamos este mapeamento em 2015 e, até agora, não foi efetivado esse monitoramento. Ou seja, o bioma que hoje que está sendo mapeado contínua e oficialmente é só a Amazônia”, disse a jornalistas. Segundo afirmou, os esforços para atualização do cenário permanecem na academia.

Segundo Silva, contrário da Amazônia, onde se concentraram olhares do movimento ambientalista nacional e internacional para a região desde 1960, a região do cerrado brasileiro recebeu incentivo do Estado para ocupação desde o início década de 1970. O espaço era considerado propício para a produção de commodities com o objetivo de tornar o país o “celeiro do mundo”, ou seja, o maior exportador de grãos do mundo.

Cerrado abandonado

Para Isolete Wichinieski, agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Goiás e coordenadora da Campanha em Defesa do Cerrado, lançada no ano passado, não há visibilidade para o tema dentro do governo federal. O bioma, por exemplo, não entrou nas metas de dimensão do uso de carbono no Acordo de Paris, “porque sabe que o Brasil sabe que não vai cumprir as metas”.

As cerca de 40 instituições que integram a campanha, lançada no ano passado, pretendem agendar uma reunião com representantes do Ministério do Meio Ambiente (MMA) para questionar quais são as ferramentas utilizadas para a medição.

“Eles (governo) dizem que, no cerrado, não tem a possibilidade de se utilizar os mesmos instrumentos e o mesmo monitoramento que existe na vegetação do cerrado, que é mais rala. Mas isso é mais uma desculpa, porque, com certeza, hoje, com a tecnologia mais avançada, existem outros instrumentos que podem ser utilizados para poder fazer esse monitoramento”, acrescentou.

Bioma em risco

Segundo o jornal Brasil de Fato, o MMA a partir do próximo ano vai publicar dados anuais nos mesmos moldes do que é feito para a Amazônia. A pesquisa consta do Programa de Monitoramento Ambiental dos Biomas Brasileiros (Prodes). Além do mapeamento anual, o governo afirmou que o monitoramento em tempo quase real do desmatamento. É o chamado DETER Cerrado, está em fase de testes.

Segundo o ministério, a metodologia de monitoramento para o bioma cerrado é mais complexa por causa da cobertura de vegetação nativa, que não é formada apenas por florestas:

“As fitofisionomias (os tipos de vegetação) do cerrado dificultam um mapeamento que apenas separe floresta de não floresta, como é feito para Amazônia.”

Fronteiras agrícolas

Os dez municípios mais desmatados ficam na região conhecida como Matopiba, áreas remanescentes de cerrado nos estados Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. São Desidério, Jaborandi e Formosa do Rio Preto, municípios baianos produtores de soja, lideram a lista dos que mais desmataram.

A região da Matopiba responde por 11% dos quase 30 mil quilômetros quadrados desmatados no cerrado entre 2013 e 2015.

O Ministério da Agricultura afirma que a gestão ambiental e territorial do cerrado é um “desafio para as políticas públicas” para conectar a necessidade de conservar o bioma e “o enorme potencial produtivo de suas terras, o alto valor de mercado das commodities e a participação desta produção no Produto Interno Bruto (PIB) do país.”

Em novembro de 2016, o Ministério Público Federal (MPF) criou um grupo de trabalho para acompanhar o processo de expansão do agronegócio e de ocupação humana na área. O procurador da República Wilson Rocha explica que a motivação foi um “aparente desequilíbrio” nas políticas públicas voltadas para o cerrado.

 

“A gente vê movimentos do governo, do estado brasileiro, no sentido de assegurar a expansão do agronegócio nessa região sem a necessária contrapartida de estabelecer mecanismos para proteger o meio ambiente, os recursos naturais e socioambientais que compõem este bioma,” analisou Rocha.

Ao contrário da Amazônia, onde se concentraram olhares do movimento ambientalista nacional e internacional para a região desde 1960, a região do cerrado brasileiro recebeu incentivo do Estado para ocupação desde o início década de 1970. O espaço era considerado propício para a produção de commodities com o objetivo de tornar o país o “celeiro do mundo”, ou seja, o maior exportador de grãos do mundo.

Proposta

Wichinieski nota que o problema da desmatamento já está causando problemas relacionados ao sistema hidrológico e de seca. O cerrado concentra nascentes que alimentam oito das 12 grandes regiões hidrográficas brasileiras, como a do rio São Francisco. Ela também relaciona o desmatamento ao aumento de conflitos por terra na região do Matopiba.

As organizações da Campanha em Defesa do Cerrado apoiam a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 504, que determina as áreas de caatinga e do cerrado como patrimônio nacional:

“Ela (a proposta) tem entrado quase toda a semana na pauta, mas, pelas questões que o próprio Congresso está vivendo, ela é retirada sempre por falta de tempo. Não tem prioridade nem interesse para a questão”, afirmou.

Regiões preservadas

Segundo ela, mesmo sem previsão de cláusulas mais efetivas na PEC que barrem o processo de desmatamento, para a ativista, a proposta é importante para pensar políticas específicas e mais contundentes de preservação para a região.

O procurador da República Wilson Rocha também se preocupa com as comunidades quilombolas e indígenas.

“Além de recursos naturais, como água e a biodiversidade em geral, a gente também tem populações tradicionais que vivem nessas regiões há séculos e muitas gerações e que constituíram, a partir da sua presença, conhecimentos específicos, que também precisam ser protegidos e preservados,” alerta.

Ranking

Diante dos fatos, o Brasil mantém-se no primeiro lugar de um ranking negativo. Há cinco anos consecutivos, é o país em que mais se mata ativistas que lutam por terra e defesa do meio ambiente, de acordo com a organização internacional Global Witness, que anualmente lista os lugares do mundo onde há mais mortes em conflitos no campo.

Mas um mapeamento feito pela BBC Brasil em dados da ONG referentes ao período compreendido entre janeiro de 2015 e maio deste ano vai além: mostra que a Amazônia Legal, a área que engloba os oito Estados e parte do Maranhão, é palco de nove entre dez desses crimes (87%). As demais mortes ocorrem em outros lugares, principalmente no Nordeste.

O levantamento mostra ainda que quase não há mortes no coração da floresta, onde está grande parte da mata preservada, mas sim em um arco de zonas desmatadas na periferia da Amazônia, localizadas principalmente em Rondônia e no leste do Pará. Entre 2016 e 2017, dois de cada três mortos ali eram sem-terra, posseiros ou trabalhadores rurais – a lista também inclui indígenas e quilombolas.

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